Trouxe comigo mais que o corpo do pai. Trouxe o sangue. Trouxe os olhos e a boca, as pernas e os braços, o torso e os pelos que recobrem os dedos, as costas e os medos, a vingança e os sonhos, os modos de rir e beber. Trouxe a vida que o pai não viveu porque ele mesmo era morto muito antes de estar vivo. Trouxe o cheiro do pai, esse que me acalmava quando era criança e pedia pra usar uma de suas camisas porque a saudade era tanta e ele nunca estava perto, nunca presente. De maneira que me restava apenas esse odor próprio, uma mistura do suor das noites de trabalho e amor fora de casa com os vapores domésticos, a comida da mãe, os sabonetes que usava, os perfumes com que se banhava antes de sair e não voltar. Do pai vieram também a língua, a fala, o tempo sem raiz, a falta de rostos dos avós, a linha da família que se perdeu, o sangue diluído depois de tantos cruzamentos, as histórias de outro pai que não era o meu, o tio perdido na selva amazônica ainda nos anos 1970, a tia que e
HENRIQUE ARAÚJO (https://tinyletter.com/Oskarsays)