Anoto tudo que esqueço, cada pequeno acontecimento, o mínimo revés ou contratempo. Tenho fixação pelo gesto suspenso, o ato que falha, a falta, o elemento que se extravia. Por isso o registro paciente do que não há, a anotação deliberada daquilo que tardou. Uma escrita que retrocede, não avança, quando muito gira sobre o próprio eixo, como planta que nunca se desenraíza e vento represado. Lembro de ainda menino fazer a caligrafia. Desenhava a letra, caprichava a cada curva da vogal ou consoante, a mãe ao lado mantendo a seu alcance também um caderno no qual ia delineando sua escrita, que eu tentava imitar, sem conseguir. Capa preta, impressão de que encerrava ali uma vida que se recusava a compartilhar comigo. Segredos, sim, mas por que deixá-los à vista? Eu não sabia. Tampouco a mãe dizia, ao final guardava na cômoda ou o carregava consigo quando ia ao centro da cidade, de onde passava horas para voltar. Lembro de escrever: o que escreve a mãe? Era uma brecha que tentava ocupar, o esp
HENRIQUE ARAÚJO (https://tinyletter.com/Oskarsays)