A maioria das pessoas subestima o poder do deslocamento, mínimo que seja. Recordo um episódio de infância. Quando minha mãe alterava a configuração dos móveis, colocando o sofá no lugar onde antes estava o armário e a mesa agora contra a parede, a TV noutra parte da estante, a estante de costas para onde costumava ficar, uma cortina fora do lugar, a mesa de centro num ângulo inusitado etc – quando fazia isso, algo mágico acontecia. De repente, a casa parecia outra, e nós, uma família diferente da que éramos. Vivíamos uma euforia sem explicação durante uma ou duas semanas, após as quais os novos objetos começavam a se encaixar na rotina da casa. E a casa, que era outra, passava a ser nossa mais uma vez. Não sei se minha mãe tinha noção disso. O que a levava a operar essa alquimia doméstica? Que algoritmo governava o seu senso estético? São perguntas que nunca tenho tempo de fazer porque passamos a maior parte das horas discutindo sobre como cada coisa chegou aonde chegou, e rindo
HENRIQUE ARAÚJO (https://tinyletter.com/Oskarsays)