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Mostrando postagens de fevereiro 8, 2016

Sonho

Contou outro sonho. Nele o mesmo sofá, ambos parados, olhando-se sem dizer um ai, o encosto velho, o lençol, a certeza de que teriam pouco tempo ou nenhum e que, nesse pouco tempo, teriam de se contentar com o que fosse possível. Mas dentro do possível sempre a mesma surpresa, a maravilha de coisas não esperadas. Nada de novo até ali. A igreja de antes agora transformada numa mesa de bar no centro da qual havia apenas uma garrafa vazia e dois cigarros, um para cada. Vazia pela metade, disse, soando falsamente enigmática. Tem sede? Respondeu que sim. Beberia tudo que restasse. Tudo que fosse possível. E depois os cigarros, mas não havia cigarros. Tinham sumido. Eram um sonho e nos sonhos objetos se movem e corpos desaparecem aqui para reaparecerem acolá. Já não estavam na sala. No mar. Água batendo no joelho. Tinha frio porque não vestia nada. Era outro sonho em que nada nem ninguém aparece, mas assim mesmo  sentia vergonha da nudez. A sua e a de

Brinquedo

Escrevia entre as palavras. Sobre outras palavras escritas antes. Uma empilhada na outra. Empenhadas nessa pilhagem por tanto tempo, catapultadas para agora. Palavras rotas, gastas, nem mesmo o velho hábito de pescar um vocábulo interessante no dicionário apenas para usá-lo a gosto numa crônica, gostava de impressionar assim, deitando uma ou outra que ninguém sabia ou se sabia, tinha esquecido.  Era fã do esquecimento. Porque o esquecimento é um brinquedo. Nós voltamos ao parque onde antes tocava uma música e agora não toca mais nada. É um brinquedo estranho e trabalhoso esse de estar em todos os tempos. Falava do novo, mas não gostava muito. Queria o básico. A camiseta, a calça, o sapato. O mínimo. O nada. Não a roupa nova, tampouco variedade. Mais do mesmo dito sempre de modo a parecer diferente. Tudo a mesma coisa. Até o fim dos tempos. Nada que sobrasse ou fosse peso além do que havia prometido a si mesmo carregar durante o tempo que julgasse suportável. Carre

Uma charada

Falaram sobre o que ainda podia significar a figura de um triângulo. Nada. Tanto tempo tinha passado. Nada é como antes.   Nem mesmo o tempo. Antes, dilatado, comprido. Hoje, preenchido, como se guardado com um carro e manobrado por outra pessoa. Falaram sobre o tempo, mas o tempo também não admitia tanta controvérsia. É o que é. Assim desvencilhava-se de qualquer assunto que julgasse entediante. É o que é.  Quase uma charada. Uma tentativa de adivinhar o que aconteceria se de fato acontecesse. Como o enigma de Marguerite Duras. Escrevo sobre o que escreveria se de fato escrevesse. Que quer dizer o seguinte: apenas possibilidades. Leituras. Versões. Nunca os fatos. Nunca o tempo feito, concreto, completo. Apenas rastro. 

A festa

Houve esse momento em que parou no meio da festa. Acontecia com alguma frequência. Ficava ali, por alguns instantes, sintonizado noutro mundo. Como o apito que os cães escutam, achava que tinha ouvido algo fora, do outro lado da rua, onde um grupo passava um baseado e uma mulher estava sem troco para despachar um carinha meio bêbado que não parava de falar. Parou e pensou que talvez fosse o caso de ir embora. Talvez fosse o caso de não ter ido. Talvez fosse o caso de, tendo ido, não ter entrado. Não ter descido do táxi. Não ter bebido. Não ter sequer engomado uma camisa e tomado um banho e escovado os dentes. Talvez fosse melhor ter evitado estar longe. Mas acontece que estava. E agora, parado, a música alta, pensou se já teria passado da hora de estar em qualquer lugar.