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Mostrando postagens de outubro 26, 2017

A palavra funda

Voltei a escrever numa brochura, caneta e papel. Letra e tempo. Preciso esperar que minha mão alcance o pensamento, que está à frente, penso ligeiro e me demoro a dar comigo mesmo. Quando nos encontramos, estamos em ritmos diferentes, modos diferentes de sentir o sentido. É aí quando paro e penso no tempo de que precisamos para que algo aconteça. A escrita se efetive. O traço se firme na mão e a mão guie com segurança, e não aos atropelos. Mas agora tudo vai em compasso, espero, a mão espera. Vamos andando ora acelerado, ora mais lentamente, como numa dança, uma coreografia. É um exercício de respiração pela palavra. Escrevo e leio e escrevo. Deixo pra trás, levo adiante. Tinha perdido esse costume, como se diz. Era apenas digitação, a mão desacostumada a batucar as palavras sozinha, a mão direita sobrecarregada. Dividia tudo entre duas mãos que escrevem, todos os dedos empenhados na tarefa difícil de dizer. E dizer tem sido cada vez mais custoso, cada vez mais necess

Sobre Dante

Ontem finalmente descemos ao purgatório, Dante ainda maravilhado, Virgílio menos falante, as almas de sempre empenhadas em diálogos que se referem ao mundo dos vivos, mil e uma ninharias familiares, questiúnculas de uma Itália dividida em caquinhos de aristocracias em ruína, aleivosias, pequenas epifanias. E eu achando que Dante descia até o mundo fundo para encontrar a si mesmo. Eu crendo que a viagem de Dante seria como a do Coronel Kurtz, que entra no mais longe da "selva selvagem", para usar uma expressão dantesca que considero linda, ou uma espécie de caça à baleia branca promovida por um Capitão Ahab.  Noutras palavras: um empreendimento essencialmente humano porque não leva à redenção. E não esse vaivém por lagos ou montes ou outras partes de uma geografia falsamente sinuosa para chegar até o cume de qualquer lugar e lá encontrar Beatriz emanando beatífica toda a sua bondade e fé. Atravessar o inferno para encontrar a fé.   Nunca imaginei que almas alimen