Convém esboçar uma ideia de futuro, mas estou farto de tudo que não seja o hoje e o amanhã, no máximo o depois do amanhã, que já considero um estirão muito além do alcance dos dedos e da boca, com os quais vamos buscando sempre o de que mais precisamos. O ano passou-se como de costume. Sem queima, a contagem da TV demarcando a virada, na sacada de um apartamento alguém soprava um instrumento melodioso e nele esse tipo de música cuja maior serventia é inspirar um estado falsamente reflexivo no qual nos pomos diante do que não sabemos. Uma reza em tudo muito apoucada para o menor desafio. Depois fomos à rua, andamos à toa, e em tudo na cidade o tempo não se refletia. Era rito sem rito, fogos pipocando de quando em quando, mas, fora isso, nada. Sorrio para essa falta, tenho com ela uma ligação qualquer. No dia seguinte acordei perto do meio-dia, desorientado e sem muita cabeça para as pilhas de livros na mesa, os lápis, os blocos, os tantos projetos, os compromissos que fui rabiscando
HENRIQUE ARAÚJO (https://tinyletter.com/Oskarsays)