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Mostrando postagens de novembro 26, 2017

Extraviado

Um homem se perdeu no mar. Entrou, não foi mais visto. Aeronaves sobrevoam, dão rasantes, barcos partem em busca de algo que possa levar a um lugar que não existe. O mar não fixa barreiras. Não se pode dizer que afundou, tampouco que está irremediavelmente perdido. A procura leva horas, amanhã será retomada logo cedo. Estarei dormindo ainda quando um grupo numeroso terá os olhos vidrados nas águas. A foto que estampa a reportagem do jornal é de um fim de tarde.  Noutro lugar, noutra parte, talvez um casal se beije olhando o mesmo mar.  A mesma paisagem repete-se ora como agonia, ora como sereno. Talvez não seja ainda o momento de perguntar quando ele virá. Se virá. E como virá. Inês é morta? Leio a manchete: desaparecido. Mar. Homem. E imediatamente me coloco a reunir sob o mesmo teto o conjunto indistinto de sentimentos que cada uma dessas palavras mobiliza. Um homem extraviado em pleno domingo. Tinha braços e pernas feitos para isso, os músculos metodicamente

Três palavras

Vi três palavras. Três, sim. Primeiro água, depois dinheiro e finalmente amor. Não sei se valem pela ordem ou se o que importa é o que cada uma significa separadamente, afinal as três encerram um mundo próprio. A vida de um modo diferente a depender de como apareçam. O ideal seria que pudéssemos escolher, mas a verdade é que quase nunca podemos.  Água pode querer dizer tanta coisa, de nascimento a renovação, mudança e mais fluxo na vida, mergulho e flutuação. Enfim, um monte de signo. Com qual fico? Gosto de fluxo. Neste ano vivi muito perto da água. Mergulhei e afundei. Ralei o corpo em pedras, mas também sarei. Gastei a pele com sol. Suei um bocado em travessias de bicicleta, estive no mar mais vezes do que nos outros 36 anos de vida. Foi um ano marinho, escuro mas solar, acidentado mas fluido. Feito o mar. Ora manso, ora arrebentação. Então é possível que essa palavra tenha, sim, alguma importância no ano que vai começar. O mar vai continuar como um elemento de força.

O que fazemos aos domingos

Aos domingos acordamos mais tarde certos de que as horas passarão lentamente. Confiamos nesse ritmo vagaroso, queremos que o tempo se estenda. Conversamos, e cada história se dilata, cada história é a continuação de outra. Detalhes e detalhes. Uma frase talvez desse cabo de tudo. Mas nunca soubemos dizer nada além da falta. Aos domingos tentamos remover uma mancha da roupa que nunca sai de fato. Aos domingos levamos o desamparo a passear. Também aos domingos tomamos mais café e gastamos mais tempo olhando a superfície das coisas de casa. Objetos que refletem nossa imagem. Se vamos passando na cozinha, é a geladeira. Se estamos na sala, é o resto de café. Se no banheiro, naturalmente é o espelho, mas o espelho é falso, tudo que mostra é aceno ao que já foi. Confiar no borrão esmaecido, na dança de luzes da máquina de lavar, na tela escura da TV ou numa carta de baralho retirada quando já é noite e estamos muito cansados para decidir sobre qualquer coisa.  Confiar na