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Mostrando postagens de agosto 18, 2020

A origem do cearense

  De onde veio o cearense? Essa é uma pergunta a qual muitos pesquisadores tentam responder há décadas, sem sucesso, numa encruzilhada epistêmico-genealógica que vem desafiando gerações de intelectuais e inteligências, de Gilmar de Carvalho a Falcão.  De olho no boom das séries televisivas e no conceito de “streamingzação” da vida, no entanto, alguns estudiosos mais arrojados passaram a apostar no potencial cinematográfico e comercial de nossas indisfarçáveis raízes nórdicas, fixando nossa cearensidade no mesmo CEP de Thor e de outras celebridades do mundo mitológico, para motivo de orgulho. Por essa via de estudos, ainda no século XVI, esses proto-cearenses desembarcaram no território onde fundariam a província do Siará Grande calçando Crocs e usando “smartwatch”, a tez alva um tanto avermelhada ante a explosão de raios UVA e UVB que eles tentavam disfarçar apelando a bloqueadores com fator 80. Era o preço pela custosa aclimatação. Como se tratava de uma terra rústica, despida ainda d

Quem cancela os canceladores?

  A dúvida surgiu quando uma pessoa que havia sido cancelada na madrugada anterior expôs logo cedo querelas antigas com um perfil cujo passado tinha nódoas, de maneira que, visto em retrospecto, não lhe cabia cancelar outrem, tampouco estimular cancelamentos em massa. De posse dessas informações obtidas por meio de rápida consulta a amigos de amigos de amigos, o neo-cancelado pôs-se a arquitetar o cancelamento do cancelador, alimentando uma espiral na qual início e fim se embaralhavam e era impossível determinar quem havia cancelado quem, se ele ao outro ou o outro a ele. Essa confusão tipicamente darkiana decerto não ajudava ninguém, sobretudo porque os postulados da nova ciência do cancelamento não comportavam relativizações, teorias sobre duplos e formulações acerca da indecidibilidade da existência de um gato dentro de uma caixa a cujo interior não temos acesso. Ou o bicho está vivo ou está morto, e se o animal não se resolve entre viver e não-viver, produzindo ansiedade e despesas

Posso ligar?

  O amigo provocou no telefone: ninguém mais liga pro outro, é um incômodo atender ligação, não sabia? Pois é, eu não sabia. Ainda supunha que um telefonema fosse dessas coisas triviais, uma banalidade na paisagem das relações cotidianas nas quais entabular uma conversa não carecia de autorização prévia do interlocutor e o diálogo era facilitado por uma disponibilidade educada e franciscana: eu doaria meu tempo para o outro, mesmo que se tratasse de um chato. Em que momento, portanto, dar um telefonema se havia convertido em suplício para quem faz e mais ainda para quem atende, um equivalente à espera na sala de um dentista cuja mesa está repleta de exemplares da “Veja” de cinco anos atrás estampando celebridades hoje desaparecidas ou subempregadas? Tão logo fui alertado pelo amigo do disparate que era demorar-se num telefone a palrar com outrem, no entanto, passei eu mesmo a evitar essa fadiga. A quem me procurasse, orientava enviar uma mensagem, a qual eu responderia por áudio ou tex