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Mostrando postagens de novembro 22, 2015

Dentro da noite

Memória é o redesenho do possível. Mudam-se as frases, as fotos, as distâncias. O trajeto e a até a latitude. Do pouco que permanece, inventa-se a refeição do dia. Faltam duas.   Um telefonema, e a porta se abre: trocaram cacos do que tinha restado. Não era muito, não era pouco. Serviram-se café e cigarros. Logo amanheceria. Assim começa: a chave é o tempo, que, para ambos, corre de modo diferente, ora apressado, ora compassado. Um todo feito de entrega e reverência, outro de susto e circularidade.  Marcou de ver um filme, acabou atrasando. Ficou em casa. Assistiu desenho animado, fumou, abriu uma lata de refrigerante e admirou-se com a intermitência das luzes. Era fim de tarde, quase noite, e ninguém esperava que nada realmente fosse acontecer.  Até que, quando nada realmente aconteceu, pôs-se de pé e abriu um livrinho ao acaso, balbuciou qualquer coisa ao telefone e repetiu que amanhã seria diferente não porque quisesse, mas porque haveria de ser mesmo. 

Finisterra

Talvez no finisterra, o cabo que se estende mais ao ocidente, ou como finisterra de Fortaleza, uma quina continental, encontro de cabos ultramarinos que aqui se enovelam para depois serem distribuídos a cada parte do globo, levando informações, emails extraviados, fotos, mensagens de amor e uma ou outra canção de arrependimento. E disso falo mais: o finisterráqueo, ou seja, o habitante do cabo que se prolonga mar adentro, a falha projetada, não é mais nem menos alegre, mais nem menos preocupado com as coisas do mundo, mais nem menos melancólico quando a noite de sexta se aproxima e as luzinhas na fachadas dos prédios piscam natalinamente.  O finisterráqueo é, por assim dizer, uma rasura, trecho onde já se escreveu bastante e aqui e ali se veem pedaços de outras épocas atravessados, cada qual reclamando atenção, cada ums saindo-se numa direção, impedindo qualquer possível soma vetorial. 

Assim começa

Assim começa, não saberia dizer se o mal, o fim ou o começo, mas que começa, disso não tinha dúvidas. Assim começa, e, surpreendendo-se ainda no início, quer de uma coisa ou de outra, levantou-se da cadeira e foi até a varanda, onde acendeu um cigarro, o primeiro de três após uma semana inteira sem fumar. Eram 17 horas e um quebrado, e do lado esquerdo do céu da cidade uma mancha de fogo se espalhava lentamente. Assim começa: visto de longe, o sol caindo aos poucos, uma falta de brisa que é o cartão de visitas de dezembro, já anunciado antes de realmente chegar. Assim pensava que fossem as coisas de agora em diante: um começo, mas do quê?