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Mostrando postagens de novembro 6, 2017

Rasurar, reescrever

Resolveu anotar tudo, cada atividade. Amanhã começaria algo novo, por exemplo. Depois sairia. Depois leitura e café. Depois um espaço aberto a ser preenchido por qualquer coisa. Nunca a fixação de escrever, registrar cada pormenor e deixar tudo grafado. Como se memorizar o futuro antes de acontecer. Como se controlar o tempo e nisso não estar à mercê do descaminho. Mas tudo também tão volátil, palavras em um caderno, coisas ditas e desditas. Coisas que iam e voltavam. Contra tudo que passa decidiu escrever ainda mais firme, letra em pé, tinta preta. Irrevogável. Escreveu que almoçaria e de fato almoçou, em seguida foi ao mercado e trocou a lata de leite vencida por outra no prazo, tudo antes previsto no próprio caderno de anotações. Ainda a mania de não verificar os dados de validade.  Passava por idiota, mas era apenas desatento. Pediu que trocassem. Voltou com outra sacola cheia de maracujás. Era o melhor suco. O travo na bochecha, a acidez bem dosada com certa

Fotografia

Fotografa o interior de apartamentos. Aquele, por exemplo. Um gato, sofá, discos, cinzeiro e uns poucos livros na sala. Cadeira e mesa. Abajur, jogos de montar e cartas. Objetos não falam o que sabem, pensou. Calam o que testemunham, essas pequenas guerras travadas no curso de poucas horas.  Tinha lido que expressavam uma relação entre coisa e palavra, mas não sabia se concordava com que um mundo e outro andassem juntos, de mãos dadas, som e sentido. Pra ele objetos continuavam pertencendo ao inanimado, signos em rotação etc. Olhava, e uma cadeira não passava de uma cadeira, uma mesa, uma mesa, uma estante também e por aí vai.  Que os objetos emanassem uma áurea e que essa áurea denunciasse este ou aquele espírito de quem vive na casa, disso não tinha dúvida. Mas como? Que propriedade torna as coisas seres que pensam uma outra sensibilidade? Achava isso um grande exagero, coisa de quem excedia o campo da reflexão.  E se algo o aborrece é excesso de pensamento.  Daí a

Intervalo

Escrevo num interregno, um tempo em suspenso que não parece tempo nenhum. Hoje, primeiro dia, estive às voltas com horas vazias, horas cuja consistência carecia de algo que as validasse. Dia e noite alheados a tudo. Li, basicamente. E escrevo agora mais por insistência que por gosto. Passa das onze da noite, horário em que normalmente chegaria cansado do trabalho e me esticaria no chão até adormecer vendo televisão. Não tenho sono. Do outro lado do mundo é madrugada. O romance fala da separação entre um filho e uma mãe que se apaixona por um artista. O pai e marido vai embora, atravessado por uma dor sem nome. O filho o acompanha, a contragosto. Mudam-se para Brasília, uma cidade que não conheço. Pai e filho estranhando-se, mas cada vez mais necessitados um do outro para suprir a falta da mãe e esposa. Dois desenraizados num lugar de seres volantes. Amanhã sairei mais cedo. Talvez faça sol. Hoje amanheceu nublado, um tempo frio que não me agrada. Um pano de fundo de trist