Não tem sido fácil sonhar. Digo, sonhar com coisas que não pareçam angustiantes. Há dias tenho o mesmo sonho, um gato me ataca enquanto tento alimentá-lo. Acordo sobressaltado. Quando volto a dormir, sonho com uma tia já morta e um tio eletricista dançando lambada na sala ao som de Beto Barbosa. Não faz sentido, eu sei. No fundo, queria mesmo era sonhar jogando baralho com a vó enquanto a gente come cuscuz na mesa da cozinha, mas os sonhos têm essa parte chata: são ingovernáveis. Assumem um ritmo e conteúdo próprios, aleatórios, aparentemente desconectados das horas cotidianas. Desde o início da quarentena, os meus sonhos pioraram. Não sei se posso usar essa palavra para me referir a meus próprios sonhos: piorar, como se houvesse bons sonhos e maus sonhos, e estes fossem de inteira responsabilidade de quem os tem. Quando entro naquele estágio profundo do sono, não sou mais eu. E ainda sou. Por isso acordo de ressaca, cheio dessa matéria estranha que gruda no corpo. Volt
HENRIQUE ARAÚJO (https://tinyletter.com/Oskarsays)