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Mostrando postagens de agosto 2, 2013

O atravessador

Confundir as fronteiras é uma atividade sem fim, sem finalidade; sem fim, ininterrupta, que se estende no tempo e no espaço. Logo despropositada, mas assentada em base real: confundir fronteiras é afirmar-se portador de nada e de tudo, falante de todas as línguas e de nenhuma, hábil mercador de um produto que interessa a qualquer um e a ninguém. Virtual serendipitoso, é a figura do atravessador a que melhor representa o desfazedor de fronteiras. Diluir postulados, desmanchar capitanias de sentido, reunir opostos morais, encarar o próximo e o distante como igualmente dessemelhantes e nisso não enxergar qualquer paradoxo.  Comunicar o incomunicável com a mesma graça, ir de uma margem a outra do espectro, divertir-se com o infortúnio que é habitar o tempo poroso. Tudo isso o atravessador está capacitado a desempenhar, embora, por alguma razão, não desempenhe.  Sendo o profissional do futuro, o que obrigatoriamente o transforma em profissional do passado e também do prese

Ondina

O repertório do novo impõe desafios. É sempre assim, uma nebulosa de cheiros e sons e ações que difere em quase tudo da anterior, familiar, plenamente doméstica, já quase naturalizada, parte da rotina, inconfundível. A rotina, como todo mundo sabe, é o lugar da ambivalência, da tensão latente e das pequenas mudanças. É nela que se entreveem as primeiras fissuras, as crises miúdas que anunciam o pior ou o melhor. Com o velho, se foram o tilintar dos talheres na pia vizinha, os passos que se demoravam no comprido da passarela, o corrimão ondulando a cada batida da chave, o vento na janela do quarto, os gatos empoleirados etc. Há outra janela pra outra paisagem. Mudando a paisagem, o que muda? É olhando por ela que vem o pensamento: persiste em qualquer mudança no espaço ou no tempo uma camada – imaginar tudo em camadas é visualmente mais simples e didático – que não se desloca, logo fixa, logo permanente.   Reconhecer cada pedaço estranho de um lugar ou de alguém