Por engano, onde se lia ócio eu li ódio, e tudo se iluminou. De repente, as coisas passaram magicamente a fazer sentido, como numa transcendência do instante, clareando o derredor, um segredo que se revelasse mediante decifração. Na verdade, sempre desgostei do tal ócio, aquele postulado por um autor italiano e cujo sentido se aproxima desse tempo desprovido de nada ao qual se volta, gratuitamente, a contemplar a paisagem, o teto do quarto, a quina de uma estante da sala ou a ponta do dedão do pé. Não é que me parecesse de todo irreal. Estava mais para privilégio, um aristocracismo meio intelectual, meio classista que se supunha que estivesse ao alcance de qualquer um a qualquer hora, quando era exatamente o oposto: o ócio como subproduto da distribuição desigual das horas de labuta e de descanso. Primeiro me aborrecia e até irritava que alguém pudesse imaginar que um trabalhador tivesse seus momentos desse tipo de ócio apolítico, entre tantas tarefas a fazer, atribuições num dia rep
HENRIQUE ARAÚJO (https://tinyletter.com/Oskarsays)