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Mostrando postagens de novembro 25, 2020

Meu nome é Antonia (2)

De vez em quando, Antonia fugia, abria o portão e perdia-se no bairro, aproveitava uma brecha, a mãe que estivesse cortando a carne ou fervendo o leite, o pai que estava fora, a avó que acompanhava a novena, os irmãos distraídos com brincadeiras e eu deitado no sofá esquentando as tardes com sonhos de cabelos cheirando a creme Neutrox. Eu a via escapar sem dizer nada, primeiro a porta e depois o portão que dava para uma área que meu pai usava para se exercitar. E, finalmente, a grade da rua, mantida sem cadeado por causa do constante ir e vir que demarcava a rotina da casa, a mãe que saía ou a vizinha que entrava, um amigo que chegasse etc. Nessa época, o bairro era um imenso conjunto de casas semelhantes construído décadas atrás para trabalhadores que vinham do interior à capital à procura de vida melhor mas acabavam por se estabelecer tão ou mais precariamente, de maneira que cada residência se distinguia da outra apenas pela cor e às vezes nem isso, num padrão geométrico e de palet

Menina e papelão

A filha pediu que escrevesse uma história sobre papelão. “Uma menina que brincasse com papelão”, explicou, que fizesse do papelão sua matéria de sonho. Que o tomasse nas mãos e desdobrasse, dele modelando casa, carro, boneca, árvore, sol e também um cachorro. Tive dificuldade, falhei. Não imaginava que pudesse haver outro uso para o papelão, mas daí lembrei que eu mesmo construía cidades de papelão quando criança. Dispunha tudo na sala, ruas, ônibus, prédios, cobria com folha de ofício e então povoava. Estava vivo. Eram caixas de sapato, tubos de creme dental que iriam para o lixo. Coisas assim. Filha, já sei como fazer, respondi, ainda que não soubesse de todo naquele momento, porque agora tenho mais dificuldade de me desincumbir dessas urgências do dia a dia. Como se muito grande para entrar na toca do coelho branco. Careço de mais tempo, mais jeito, um esforço mesmo. Mas funciona, e somente depois começo a fantasiar essa menina às voltas com retalhos de papelão, fragmentos de mundos