De vez em quando, Antonia fugia, abria o portão e perdia-se no bairro, aproveitava uma brecha, a mãe que estivesse cortando a carne ou fervendo o leite, o pai que estava fora, a avó que acompanhava a novena, os irmãos distraídos com brincadeiras e eu deitado no sofá esquentando as tardes com sonhos de cabelos cheirando a creme Neutrox. Eu a via escapar sem dizer nada, primeiro a porta e depois o portão que dava para uma área que meu pai usava para se exercitar. E, finalmente, a grade da rua, mantida sem cadeado por causa do constante ir e vir que demarcava a rotina da casa, a mãe que saía ou a vizinha que entrava, um amigo que chegasse etc. Nessa época, o bairro era um imenso conjunto de casas semelhantes construído décadas atrás para trabalhadores que vinham do interior à capital à procura de vida melhor mas acabavam por se estabelecer tão ou mais precariamente, de maneira que cada residência se distinguia da outra apenas pela cor e às vezes nem isso, num padrão geométrico e de palet
HENRIQUE ARAÚJO (https://tinyletter.com/Oskarsays)