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Mostrando postagens de julho 15, 2015

Cheiro

D e algum modo, o cheiro sintetiza tudo: suor, fluidos corporais, cama, ambiente, hálito de bebida, perfume, xampu. É uma súmula do trajeto percorrido até o gozo derradeiro. Tudo isso o cheiro carrega.    A cerveja chega. O garçom abre a garrafa sem mirar. Venta em abundância. Há um gosto de sal na conversa. O tampo da mesa pegajoso gruda-se ao olor de cada palavra.  A nossa volta, cada grupo de pessoas parece iluminado com uma santidade própria, prestes a se desfazer tão logo parasse de soprar e o vozerio fosse morrendo naturalmente. Era uma tarde incrível.

Três partes

Como toda lógica, a do sexo comporta mutações. É possível imaginar o ciclo começando pelo final e voltando ao início para um recomeço? Sim, é possível. A cerveja demorava. Acenei pro garçom, que fez um gesto que interpretei como “estou no controle de tudo, não se afobe”. É claro que ninguém ali estava no controle. O segundo ponto é a penetração e o terceiro, o gozo. Antes há todo esse jogo de beijos e fricção de carnes que acentua a umidade feminina e a ereção masculina em qualquer arranjo sexual.  Essa etapa consome aproximadamente 80% do tempo do sexo. Ou seja, primeiro as carícias, depois a penetração e, finalmente, o gozo. Mas, dependendo do casal, vai-se de 1 a 3 ou parte-se logo do 2. O gozo é obrigatório? Não. O meio, sim. Pouca gente sabe, mas a dimensão olfativa é tão ou mais importante que a visual. É fácil esquecer-se da intensidade do gozo, da fartura de suor e até do rosto.  Do cheiro, não.  

Beleza

É como a lógica tripartite, disse. E citou como exemplo o sexo. Não entendi, mas fingi surpresa rindo na hora errada. O que lhe causou algum aborrecimento, que disfarçou arqueando as sobrancelhas de um modo tão bonito e engraçado. É assim, pôs-se a explicar e eu, a ouvir. Começa com lambidinhas e carícias breves em locais-chave do corpo da mulher. Pescoço, orelha, mãos... (Mãos...) ... pés, barriga, mordiscadas, beliscões, arranhões e toda sorte de pequenos atritos e deslizes a que duas pessoas se permitem quando querem se comer. Daí até a lubrificação é um pulo. Dependendo do casal, é claro, essa etapa pode levar menos tempo. Há casais e casais: uns que ritualizam o sexo, preparam-no como a um jantar ou cerimônia sacrificial, executada passo a passo com rigor aristotélico. E há os casais que, varados de fome, mas menos presos a planos, agarram-se ao que podem e está ao alcance, metendo-se uns nos outros com essa gula de quem não espera a comida esfriar e

Passa da hora

O sonho acabou bem na hora em que já tinha passado do momento em que seria prudente acabar. Não tendo acabado ali, porém, não faria o menor sentido chegar ao fim logo depois. Mas foi exatamente nesse ponto, em que podia continuar um pouco mais mas não foi em frente, que o sonho terminou. Os sonhos são incompreensíveis, dizia Freud à boca miúda a quem o encontrasse numa sexta-feira de tarde bebendo chá e fumando. Disso não pedia segredo, o que nunca impediu que uma clientela cada vez mais numerosa o procurasse na clínica onde, um pouco contrariado, interpretava os sonhos de acordo com os códigos que, entre uma baforada e outra, ia desenvolvendo. Freud também era incompreensível.