Tinha anotado ideias da viagem, coisas ligeiras como essas paisagens que vemos passar no deslocamento acelerado do carro numa estrada, a vista sempre firmada no horizonte. E talvez fosse isso mesmo o que tivesse a dizer, de repente a permanência nesse estado houvesse feito entender que, por seis ou sete horas, tudo que havia era o ponto logo à frente, como se vivesse de futuro, nunca de presente ou passado. Fixava uma árvore, uma ave, uma mancha no asfalto irregular, e daí tudo se tornava antigo em poucos segundos, como numa máquina do tempo. Às vezes, porém, se destaca o rosto num alpendre, uma rede estirada sem presença, um terreiro enfeitado com bandeirinhas coloridas. Uma festa sem festa na cidade sob a ameaça invisível da doença. E aí chego a essa praça. Poucas cadeiras em redor, no topo da torre da igreja um alto-falante transmitindo a voz mansa do padre da região. Depois mais estrada. Cansaço. As pernas esticadas e quase dormentes, a fome que chega aos bocados, como ondas. Eram
HENRIQUE ARAÚJO (https://tinyletter.com/Oskarsays)