Tinha anotado ideias da viagem, coisas ligeiras como essas paisagens que vemos passar no deslocamento acelerado do carro numa estrada, a vista sempre firmada no horizonte. E talvez fosse isso mesmo o que tivesse a dizer, de repente a permanência nesse estado houvesse feito entender que, por seis ou sete horas, tudo que havia era o ponto logo à frente, como se vivesse de futuro, nunca de presente ou passado. Fixava uma árvore, uma ave, uma mancha no asfalto irregular, e daí tudo se tornava antigo em poucos segundos, como numa máquina do tempo.
Às vezes, porém, se destaca o rosto num alpendre, uma rede estirada sem presença, um terreiro enfeitado com bandeirinhas coloridas. Uma festa sem festa na cidade sob a ameaça invisível da doença.
E aí chego a essa praça. Poucas cadeiras em redor, no topo da torre da igreja um alto-falante transmitindo a voz mansa do padre da região.
Depois mais estrada. Cansaço. As pernas esticadas e quase dormentes, a fome que chega aos bocados, como ondas.
Eram pedaços as coisas que tinha escrito ou imaginado que havia escrito, talvez tudo não tenha passado disso. Como jamais durmo em viagens, costumo desligar os olhos abertos, dois precipícios castanhos claros dentro dos quais a luz se perde.
Gosto de uma cor específica, uma árvore cuja copa lilás contrasta com o verde e o marrom predominantes na vegetação do sertão.
Uma pedra sobre outra pedra, tudo resíduo de outro tempo. Restos de borracha no acostamento. De vez em quando uma moto parada, alguém ao telefone, um carro que nos ultrapassa a toda velocidade.
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