Quarenta anos é o tempo do navio encalhado na orla, o Mara Hope, quatro décadas de corrosão ininterrupta, de marés engolindo aos poucos os braços e pernas da embarcação cuja história a levou a se prender a um banco de areia depois de uma tentativa fracassada de resgaste. Uma noite, ou durante o dia, não sei, os cabos se desataram, talvez os tenham cortado, e então o navio se pôs em movimento, como se se cansasse do destino que o aguardava, mas logo deu com os burros n’água. O barco extraviado hoje incorporado à paisagem da cidade quase tricentenária, instituindo-se como um marco fundacional do olhar, concorrente da ponte (velha e nova, que também é velha), do farol e do calçadão, todos pertencentes a uma memorabilia urbana e a uma iconografia sem a qual a praia, sempre sob aterro, seria irreconhecível após tantas intervenções desarmoniosas. Mas o que se vê na carcaça destroçada do animal metálico reduzido ao oco pela ação devoradora do sal e dos anos? Talvez o símbolo da transiç...
HENRIQUE ARAÚJO (https://tinyletter.com/Oskarsays)