Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de dezembro 10, 2017

Dark (parte 3)

E aqui finalmente chegamos a Noah, a grafia hebraica para Noé, outra personagem com referências bíblicas no universo da série Dark , nova aposta da Netflix. Não sabemos muito sobre Noah, apenas que se veste de padre, mas estranhamente não carrega uma bíblia, tampouco usa um crucifixo ou qualquer outro artefato da liturgia católica. Noah exerce um poder sobrenatural sobre outras pessoas. Ele está por trás, por exemplo, do quarto com uma cadeira e beliche por onde passam os garotos que depois serão mortos e descartados, ao que tudo indica não apenas em 1986, mas também em 1953, como os meninos encontrados no terreno ao lado da usina, à época ainda em obras. A pergunta é: quanto de Noé há em Noah? Na bíblia, Noé constrói uma arca para salvar espécies animais e repovoar a Terra após o dilúvio que dura 40 dias e 40 noites, resultado da insatisfação divina com sua própria criação. A rigor, Deus mata todos os seus filhos porque acha que eles não estão se saindo muito bem. Escapa

Dark (parte 2)

Dark passa-se numa pequena cidade alemã cujos pontos referenciais são uma floresta e uma usina nuclear, que se conectam de modo decisivo ao longo de dez episódios de cerca de 50 minutos. Seus habitantes estão às voltas com o desaparecimento de duas crianças, o que acaba levando a um clima de desconfiança e, por sua vez, ao rompimento de elos estabelecidos muitos anos atrás. O sumiço dos meninos também dá início a uma montagem de quebra-cabeças no qual cada peça não refaz a figura original, mas leva a nova peça, talvez perdida no tempo. É preciso encontrá-la noutro lugar, que não é um aqui , mas um quando . É essa procura, detetivesca mas também filosófica, que o espectador acompanha. Cito um único personagem, Jonas, por entender que se trata de fato do mais importante, embora a série, do início ao fim, faça desfilar mais de uma dezena de rostos, todos com papéis cruciais na cadeia de eventos narrados. Um parêntese: em Dark , é fácil perder o fio da meada. Não se sinta bur

Dark (parte 1)

Por onde começar? Dark é dual desde o princípio, a gente sabe. Os diretores sabem, os atores e a Netflix também. De modo pouco sutil, a abertura produz essa leitura, com paisagens e personagens dividindo-se e espelhando-se, num efeito de fractal. Tudo se bifurca, e cada divisão conduz a uma narrativa diferente.  Em algum momento, esses caminhos se cruzam, como nas melhores histórias de Italo Calvino. O tempo é um castelo com múltiplos corredores.  Na literatura e no cinema, esse é um tema explorado exaustivamente: o da multiplicidade de veredas. Culpas, passado, tudo esconde uma porta que leva a outro universo, num efeito de mergulho em abismo. Os caminhos percorridos, entretanto, nem sempre são os melhores e mais seguros. A tentação de consertar tudo e colocar as coisas de volta no lugar pode ser nada menos que desastrosa. Uma parte considerável da nossa vida simplesmente resiste a ocupar o seu devido lugar, ora porque não sabemos que lugar é esse, ora porque os lugares