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Mostrando postagens de abril 3, 2018

Notas de um a três

Nota 1 Uma experiência na cozinha. Acender o fogo, preparar a comida e ligar a música. Depois ouvir a música enquanto espera a comida. O tempo do cozimento, que não é o tempo da música, transcorrendo no compasso de outro tempo. Nenhum o tempo de que precisa para que passe. Nota 2 Andou de bicicleta e esqueceu a bicicleta. Pendurou-a no gancho do estacionamento do trabalho dois dias atrás e não voltou para buscá-la. Esquecimento. Todos os dias, ao sair do jornal, pergunta ao porteiro se a bicicleta ainda está lá. É minha, diz. Amanhã voltarei para vir pegar. Vai até o gancho. Ela ainda está lá. Depois segue a pé, novo modo de se deslocar. Andar. Estar à toa na calçada mastigando pensamentos. Nota 3 Fim de tarde. O dia consumido como num sonho, as horas sem conexão, e no entanto, uns pontos e vírgulas depois, amontoa frases e costura orações como quem entrega ao freguês um trabalho que não lhe toma nem tempo nem energia. Apura os ouvidos. Sons de pássaros, carros que voam,

Entre outras distrações

Passear o olhar, deter-se na quina do objeto, deixar-se estar no final da tarde encostado a um muro e nesse muro enxergar a planta que cresce na fresta. Fotografar a árvore que abre os tijolos sem educação, como a dizer que segue a depender unicamente do próprio gosto. Pegar a luz pela mão, uma camada oblíqua de amarelo-queimado, essa cor de lápis de pintar que desaprendemos depois a chamar pelo nome que tem. Depois acender e apagar o cigarro. O chão coalhado de goiabas amarelas que caíram do pé ainda pela manhã. Lembrar que, ainda ontem, um homem foi apanhando uma a uma, mas que hoje já estão ali aos montes. Amarelo ainda a cor favorita.