Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de junho 20, 2008

Novas novidades

O blog mudou. Conciso, compacto, comprimido: cabe no bolso da calça ou na palma da mão. Mas essa não foi a razão principal. A razão principal permanece totalmente ignorada. Ignorar a razão principal das coisas tem sido uma ocupação das mais louváveis e em grande medida inexplicável. O blog mudou porque tinha de mudar? Talvez. Mudou para ficar igual? Quem sabe... O certo é que mudou. Mais textos, menos doutrina. Comentários curtos, dolorosos. Fisgados do instante. Menos vida, mais invenção — e vice-versa. Nada pessoal, apenas ficcional.

Soldados

Que fazer agora? Deixa os corpos aí. Depois a gente resolve. Agora, quero beber alguma coisa. Bebeu alguma coisa. Agora, comer alguma coisa, alguém. Comeu. Agora, quero dormir. Não perturbem. Sem sobressaltos, dormiu a tarde inteira e o começo da noite. Agora, pegamos esses corpos e levamos até o outro lado da rua. Lá, atrás da delegacia, tem uma ruazinha sem movimento, ninguém vai lá desde que os assaltos aumentaram na área. A população suspeita dos próprios polícias. Podemos deixar os pacotes num dos monturos. Depois, voltamos para cá. Ninguém vai suspeitar de nada. No outro dia, nada de suspeitas. Os corpos tinham desaparecidos, os vestígios apagados. Um dos policiais achou que fosse coisa deles e tratou de enterrar um pouco mais longe os três meninos bandidos. Durante breve interrogatório, as respostas de sempre. Eles disseram “não” quando deviam ter dito “sim” e “sim” quando deviam ter dito “não”. Assim escaparam das acusações. Viajaram para fora do Estado. Um deles ficou. Não que

Bolhas

Ele vivia dentro de uma. Há quanto tempo? Ninguém sabia. Dentro da bolha. Não uma de sangue, como as que estouram no meio da rua e matam subitamente, sem dar tempo para últimos pedidos nem passadas rápidas na casa do namorado. Não há hipótese de despedida quando a bolha enfeza-se, ela arremete e pronto, está decidido: o mundo girará. A bolha move-se. Pode parecer que não, mas ela desloca-se diariamente em todas as direções, vai à esquerda e à direita, para frente e para trás. Não tem rodinhas, sua estrutura de bolha não comporta periféricos que lhe possam amenizar a existência. Mesmo assim, a bolha é suave. Rua abaixo ou acima, ela desliza. Sem ser vista, passa debaixo de janelas e sob marquises de lojas, lanchonetes e sapatarias. NOS vê, inquieta-se. Vê-NOS. Em seguida dobra a esquina, leve. O que seria das bolhas sem a nossa desatenção? Nada. Talvez estourassem mais facilmente. Talvez fossem mais simples. Talvez tivessem rodinhas. Dentro, ocas. Ficamos surpresos ao descobrirmos bolha

Dois tempos de 45 minutos

Era assim uma noite em que os meninos brincavam como sempre na esquina. E as meninas, sentadas, olhavam o tempo passar na rua enquanto as velhas e velhos iam e vinham atrás dos meninos, porque as meninas não despertam nunca a menor preocupação. Ficam só sentadas, pernas cruzadas, imitação de suas mães. A diferença é que elas procuram namorados que sejam a cara do vocalista do NXZero, e as suas mães só querem mesmo saber se a cebola tem um bom aspecto ou se o leite fervido azedou de ontem pra hoje. E se a reprise da novela vai mesmo acontecer ou tudo não passa de um boato plantado no programa do João Inácio Jr. Do outro lado, na outra esquina, noutra perna da galáxia e numa freqüência absolutamente distinta, os meninos descalços, vinte ao todo, tem dias em que o número dobra e outros em que cai pela metade, mas sempre alguém na esquina, descalços e suarentos, se divertem, chafurdam com uma bola encardida, fazem do poste a trave, da risca de giz no muro outra trave e do churrasqueiro o j

O destinatário

Estive sentado nas últimas cento e cinqüenta horas lendo e relendo a carta que você deixou em cima da mesa da cozinha. Não sei o que dizer. Simplesmente acho tudo isso disparatado demais, louco demais pra dizer qualquer coisa e esperar docemente que ela faça algum sentido e que com isso você passe a encarar tudo de um modo diferente, menos espantado talvez. Não, eu não sou assim. Não espere que eu faça isso ou que deixe de me angustiar exatamente porque não me angustiando você também não se angustia. Sem angústia, ambos nos contentamos. Contentes, nos conformamos os dois com as noites de quinta-feira e os jantares na casa de comida japonesa. E as idas ao shopping e ao samba e ao Natal na casa dos meus pais e em seguida na casa dos seus porque nossas famílias não se misturam. E isso eu, Carlos, não quero mais. Não... Tudo que você diz aqui... As coisas... Eu tentei juntar algumas peças ao longo desse tempo, usar um pouco meu lado mais frio, mais racional e entender os seus motivos... As