Olhava a ponto de encurvar o corpo, dobrado sobre o parapeito da cacimba, o espelho d’água refletindo uma cabeça miúda, de vez em quando os braços acenando para os peixes lá no fundo, formas angulosas indo de um lado a outro o dia inteiro. O que o atraía à cacimba toda tarde? Disse à avó que eram os peixes, mas eles não tinham graça, eram tão escuros que mal se viam enquanto deslizavam, não eram como peixes dourados confinados em aquário. Talvez a fundura em si, o tipo de magnetismo que as profundezas lançam sobre os viventes, assim como o fogo, que carece de explicação, um traço de formação ao longo das eras e pronto, lá se estava prostrado diante do enigma. Quem sabe os amigos, mas costumava ficar sozinho por horas, a vista enterrada na água, o silêncio interrompido apenas quando a vizinha aparecia para retirar baldes cheios ou quando Damião passava do trabalho cortando caminho pelo quintal alheio.
HENRIQUE ARAÚJO (https://tinyletter.com/Oskarsays)