Há uma semana. Uma semana atrás não havia nada nos ouvidos. Hoje, esse barulho infernal. Uma broca de dentista gigante atormentando as virgens do bairro? Mas, eu não sou mais virgem. O que é isso? Uma brincadeira sem graça? Brocas não fazem tanto barulho. Começa às seis da manhã, termina às seis da noite. De 6 às 18, um sacolejar de moléculas sonoras invade as casas – pequenas, grandes, médias, enormes. Desperta sabe-se lá que sorte de ondas de irritabilidades em mães desesperadas. Quantos meninos terão apanhado desde a última segunda-feira por causa do barulho desgraçado que não cessa? Quantas meninas terão sido despachadas como criminosas de guerra para o quarto ou, pior, para a pia da cozinha, espécie de Guantánamo da casa? Não sei. Apenas observo os fatos do cotidiano e os reporto depois sob forma de relatos sem forma nem graça. Apenas os transporto para o mundo dos que sabem alguma coisa sobre sons infernais.
HENRIQUE ARAÚJO (https://tinyletter.com/Oskarsays)