Uma casa se divide em duas partes: a cozinha e o resto. Tudo assume contornos diferentes quando temos por companhia fogões, geladeiras, panelas, rodinhos de pia e uma mesinha de fórmica habitada por garrafa de café e cesta de pão. O mundo não é visto do mesmo jeito quando visto da cozinha. As pessoas não são as mesmas quando estão a conversar ou discutir na cozinha. Uma súbita intimidade se apodera, os freios afrouxam, os laços ganham viço. O sisudo cede ao riso, o mais tranquilo alteia a voz, o risonho experimenta a introspecção. Não é que os papéis se invertam nem as máscaras caiam. É que a cozinha tem lógica contrária à da alcova. Se nesta os segredos são mantidos a sete chaves, naquela o exercício mais frequente é o de propagar. Se numa o jogo dá-se normalmente entre pares de amantes, noutra a rede amplia-se, envolvendo players de todas as espécies, sabores e taras. Diferente do tempo da sala, onde impera a TV; do quarto, onde nos estiramos à maneira preguiçosa do
HENRIQUE ARAÚJO (https://tinyletter.com/Oskarsays)