O dia certo, o dia certo para errar e mesmo desejando fazer girar o trinco da porta do banheiro ou entrar por acaso no quarto e protegendo os olhos contra a luminosidade incandescente das horas enxutas desmanchar aquele bolo de roupas sujas e encontrar nele uma chave. A mesma chave que abre a porta secreta escondida atrás do guarda-roupa. É lá que costuma encerrar os arcanos domésticos, é para lá que se dirige sempre que algum disco-voador dispara raios. Feito pássaros de fogo, feito andorinhas nucleares, esses raios o perseguem dia e noite, noite e dia, e mesmo que haja levado a vida inteira ensaiando passos e discursos não há saída. Quase nunca há saída, conclui enquanto do outro lado da mesa ela mastiga uma folha de alface e sorri luzidia. Assim, resta a porta, que ele abre febrilmente. Deitada na cama ela finge dormir mas olha de longe, longe, longe, confundindo o personagem sorrateiro com o mesmo coelho branco que promove estripulias no reino encantado de Alice, mas ela sabe ainda
HENRIQUE ARAÚJO (https://tinyletter.com/Oskarsays)