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Mostrando postagens de outubro 24, 2017

Comer é uma oração*

Comida é ritual, tanto no preparo quanto na alimentação em si, passando por modos de servir e estar à mesa, sozinho ou acompanhado, homem ou mulher. Experimentem, olhem pros lados discretamente. Imaginem um casal à espera, se se sentam um de frente pro outro ou lado a lado. Se conversam ou cada um batuca na tela de celular, se comem alegremente ou se são personagens de um desses quadros de Edward Hopper no qual o humano é irrevogavelmente sozinho. Comer  é o contrário de solidão, sobretudo no Brasil, especialmente se falamos de um  comer  familiar, de mesa grande e farta, típico do nordeste de tradição senhorial, quando evocamos o gesto doméstico da mãe ou da avó ou do pai e do avô ocupando-se numa cozinha repleta de suas gentes, reunidas em festa. Mas  comer  também é estar só, festejar a si anonimamente, como numa oração que sopramos em rumorejos vagarosos, num movimento de coisas que só dizemos a nós mesmos quando em conversa particular. E tudo se entrega diante da refeiçã

O vestido*

O vestido é uma peça vulnerável, disse uma amiga, melhor colocar um short, uma calça, hoje quero beber, quero encontrá-lo no fim da linha, da noite, naquela mesa marcada e pedir uma cerveja, melhor duas, depois uma caipirinha, antes uns pastéis, que não bebo de barriga vazia. O vestido, de fato, pensando bem, considerados os prós e também os contras, subtraídos os riscos, levando-se em conta as possibilidades, medidas as circunstâncias, tendo em vista o propósito, conforme a designação espiritual de cada um, sob pena de parecer ridiculamente insistente, o vestido, reparem, é uma peça essencialmente vulnerável, o vento, a mão, a farpa solta na cadeira, o homem tarado, a criança, a amiga. É bem possível que uma infinidade muito grande – redundante - de pessoas conseguisse erguê-lo facilmente, mas nem todos dançariam ao arrepio. * Postagem original em novembro de 2012.