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Mostrando postagens de novembro 6, 2014

Nua

Não deixa de ser curioso o surto de pessoas nuas na rua. Mulheres, sobretudo.  Caminhando nuas. Isso mesmo, nuas. Nuas, sozinhas, nas ruas. Exatamente assim, não há confusão alguma. Nuas e ruas rimando na mesma frase e encerrando um mistério insolúvel. O que convida a pensar sobre muitos assuntos, exceto sobre o real motivo de as pessoas, principalmente mulheres, terem resolvido, aparentemente sem razão, caminhar sem roupas pelas ruas da cidade.  O que tem chamado a atenção de quem passa ou espera o ônibus ou apenas observa da janela de casa ou do apartamento o movimento lá fora, que agora inclui uma mulher nua caminhando na rua, um passo de cada vez, a cabeça levemente inclinada, suportando dignamente sol e chuva. Todavia, o que faz, na rua, nua, a qualquer hora do dia, uma mulher?  A pergunta é intrigante e, de resto, irrespondível.  Porque nua, na rua, uma mulher pode desejar o que estiver ao alcance da imaginação, inclusive nada. Pode também calhar de ir em

Ainda os shoppings

Lamento não ter ido direto ao ponto no texto que escrevi para O Povo de hoje: a expansão dos shopping centers, e sua receptividade entre nós, é sintoma de uma cultura que atribui pouca importância ao espaço público.    A relação que pretendi estabelecer foi a seguinte: enquanto inaugurações de shoppings causam estardalhaço, mobilizando a atenção dos jornais a ponto de o assunto se tornar tópico obrigatório de conversas, áreas sensíveis da cidade se degradam progressivamente.  Citei como exemplo os parques Rio Branco e Adahil Barreto, mas poderia ter mencionado uma dezena de lugares de Fortaleza hoje relegados a segundo plano: o Cocó, quase toda a extensão da Praia de Iracema, o Farol e seu entorno, o campus do Itaperi da Universidade Estadual do Ceará.  Alguém pode argumentar: mesmo privados, os shoppings são públicos. Logo, neles o trânsito é livre.  Bom, isso não é totalmente verdade.  Shoppings são empreendimentos privados cuja lógica é a mercadoria. Embora si

Onda

Deriva continental, escreveu no caderno. À menção do nome, disse que faria. Confirmou presença, mas logo percebeu que não haveria tempo ou disposição ou ambos. Movimento de placas que navegam no magma atraídas pela força magnética, escreveu também, a letra pequena apertando-se contra as linhas. Mas, na hora, acabou desistindo, ou talvez estivesse esquecendo seletivamente tudo, os pequenos e os grandes movimentos, os entrechoques que produziam chispas que depois iriam incendiar florestas longe dali. Deriva dos continentes é uma teoria científica segundo a qual um dia tudo que vemos fez parte de um mesmo bloco compacto de terra. Há evidências dessa junção, embora tudo hoje sugira o movimento contrário. Anotou cuidadosamente a palavra “contrário”. Ouviu o sino da escola tocar lá no fundo. Dobrou o caderno, guardou lápis e caneta, olhou novamente para a última cadeira da segunda fila a partir da porta. Não havia mais ninguém lá, exceto por um rapaz que