Lamento não ter ido direto ao ponto no texto que escrevi para O Povo de hoje: a expansão dos shopping centers, e sua receptividade entre nós, é sintoma de uma cultura que atribui pouca importância ao espaço público.
A relação que pretendi estabelecer foi a seguinte: enquanto inaugurações de shoppings causam estardalhaço, mobilizando a atenção dos jornais a ponto de o assunto se tornar tópico obrigatório de conversas, áreas sensíveis da cidade se degradam progressivamente. Citei como exemplo os parques Rio Branco e Adahil Barreto, mas poderia ter mencionado uma dezena de lugares de Fortaleza hoje relegados a segundo plano: o Cocó, quase toda a extensão da Praia de Iracema, o Farol e seu entorno, o campus do Itaperi da Universidade Estadual do Ceará.
Alguém pode argumentar: mesmo privados, os shoppings são públicos. Logo, neles o trânsito é livre. Bom, isso não é totalmente verdade.
Shoppings são empreendimentos privados cuja lógica é a mercadoria. Embora simulem o desenho de uma cidade, com praças, fontes, ruas e fachadas de lojas, têm uma finalidade incontornável: o comércio. Ali, toda relação é de algum modo afetada pela venda/consumo de mercadorias.
Novamente, alguém pode contra-atacar: isso é necessariamente ruim? E, indo além, perguntar: não há sociabilidade nesses espaços?
"Não" necessariamente, mas "sim" para grande parte dos casos. A segunda pergunta embute uma falácia. Ora, mesmo em ambientes de privação total de liberdade, como penitenciárias, há uma sociabilidade que escapa aos mecanismos de controle. Com os shoppings não seria diferente. Debaixo do olhar vigilante de câmeras e banhados pela luz filtrada de modo tornar a passagem do tempo apenas uma ideia remota, grupos de pessoas divertem-se, conversam, distraem-se, namoram, ou seja, fazem o que costumamos fazer no dia a dia em qualquer lugar.
Por outro lado, é assustador que uma fração considerável de nós tenha aparentemente jogado a toalha quando se trata de exigir qualidade de nossos espaços públicos. Mesmo nos círculos mais informados, essa é uma guerra vista como perdida - ou quase isso. Comodamente, migramos para os shoppings, onde há oferta garantida de alimentação e segurança.
Ocorre que, fora dos shoppings, a cidade continua a existir. Uma hora ou outra, como na ressaca do mar que traz de volta o lixo produzido em escala massiva, os problemas acabam nos confrontando. E não há fuga possível.