Gosto de como soa atacarejo, de seu poder de instaurar desde o princípio um universo semântico/sintático próprio apenas a partir da ideia fusional que é aglutinar atacado e varejo, ou seja, macro e micro, universal e local, natureza e cultura e toda essa família de dualismos que atormentam o mundo ocidental desde Platão.
Nada disso resiste ao atacarejo e sua capacidade de síntese, sua captura do “zeitgeist” não apenas cearense, mas global, numa amostra viva de que pintar sua aldeia é cantar o mundo – ou seria o contrário?
Já não sei, perdido que fico diante do sem número de perspectivas e da enormidade contida na ressonância da palavra, que sempre me atraiu desde que a ouvi pela primeira vez, encantado como pirilampo perto da luz, dardejado por flechas de amor – para Barthes a amorosidade é também uma gramática, com suas regras e termos, suas orações subordinadas ou coordenadas, seus termos integrantes ou acessórios e por aí vai.
Mas é quase certo que Barthes não conhecesse atacarejo, essa chispa vocabular que apenas o trabalho de ourivesaria linguística seria capaz de esculpir, uma dádiva do prazer da fala, apenas.
Basta experimentarem cada sílaba: a-ta-ca-re-jo, como recomendaria talvez Nabokov, mas tendo outro objeto de paixão na cabeça, não essa pororoca de palavras comerciais que resultam numa outra, esta de pronúncia mais sui generis, mas o doce nome de Dolores.
Assim, atacarejo sumariza um exercício da língua. Ativá-lo é acionar uma série de mecanismos afetivos que se movimentam sempre que a ideia do espaço se presentifica.
Menos por seus significados, pela materialidade em si do lugar, dos corredores amplos e dos carrinhos de compras, das filas e das promoções, dos anúncios e dos informes publicitários emitidos nos sistemas de sons desse hibrido de pequeno com grande, de São Luiz com Ceasa.
O atacarejo é uma unidade autônoma que remete a tudo e a nada, ao cearense e ao cidadão de qualquer país do mundo, ao existente e ao inexistente.
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