Ivone acordava assustada no meio da noite, dizia ter visto o pai chamando na porta. Depois deitava, falava sobre a morte, que não a colocassem no caixão ainda viva. Tinha medo de escuro, de bater e ninguém abrir, tinha medo de que alguém a sufocasse enquanto dormia, medo de que a mãe do papai a convidasse para uma volta e ela não tornasse. Os netos riam, ainda crianças. Não se davam conta de que Ivone não delirava, que tinha razão nas advertências. Ela ralhava, dizia: vocês vão ver. Um dia estarei aqui e, no dia seguinte, não estarei mais. E repetia uma frase, sempre a mesma frase apocalíptica que anunciava sabe-se lá que pragas: quando a roda grande entrar na roda pequena, será a hora certa. Que hora? Que roda? E caíam na gargalhada. Numa quinta-feira de abril de 2008, um dos filhos de Ivone voltava do trabalho para casa. Dirigia um Fusca. Distraiu-se com o telefone e bateu o carro contra uma árvore à beira da estrada. Desceu com vida, contaram testemunhas. Depois se s
HENRIQUE ARAÚJO (https://tinyletter.com/Oskarsays)