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Mostrando postagens de fevereiro 28, 2023

Trapaça

  Meu avô era o que se chamava de trapaceiro, jogava com cartas marcadas cuja sintaxe apenas ele conhecia. Eram marcas muito sutis, meu tio não soube explicar, mas dizia que ele fazia microincisões no baralho, nas pontas das cartas, intervenções de pouca legibilidade, uma espécie de ourivesaria da malandragem, de modo que apenas ele e mais ninguém conseguiria identificar o naipe e a numeração. Ganhou algum dinheiro à sua maneira, viajando e jogando apostado, até que um dia morreu numa briga.  Morreu na rua, escorado num muro, segurando a barriga depois de levar um tiro. Outras famílias têm marcos afetivos na cidade onde vivem. Ali foi nosso primeiro encontro, acolá foi a primeira comunhão da sua irmã etc. A minha, contudo, era mais extravagante. Quando passávamos de carro a caminho da casa da minha mãe, meu pai apontava a esquina e dizia “seu avô morreu bem naquele canto”, indicando o local onde hoje funciona uma loja de autopeças, e acho mesmo que ninguém empregado nesse comércio susp