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Mostrando postagens de novembro 11, 2017

Desejo iii

Desejo o cigarro que não fumo há dois dias, a corrida que não fiz, o banho que não tomei, os livros que não li, os filmes que interrompi e as séries que larguei pausadas entre o grito e o crime. Desejo o tempo que levei atravessando o hall do condomínio, todos os segundos digitando nos botões na máquina de lavar, as horas perdidas entre abrir e fechar a geladeira. Desejo o perfume que sobe do apartamento de baixo, a luz de uma hora intervalar, o jeito de atravessar a rua daquele homem que carrega uma sacola a tiracolo, a fala de um amigo que engole certas letras, os pés flexionados sob as pernas da mulher que pede uma sopa na padaria, a tranquilidade de esperar o caixa emitir a nota. Desejo a coragem de telefonar para a mãe, de perguntar ao pai se está tudo bem, de ir até o cemitério e dizer bom dia ou boa tarde, a depender da hora. Desejo força para abrir a gaveta e arrumar os fios soltos, carregadores de celular, baterias e canetas que fui acumulando durante décadas

Desejo ii

Digo desejo, e tudo se move num segundo. Afetos parados na porta de repente andam pra lá e pra cá, gostos de saber na boca a distância. Suores acumulados e fluidos contidos, dedos descasados procurando uma casa onde possam revirar baús de carne e pelos quentes que se molham quando tocados. Digo desejo, e nada se move, tudo em redor se paralisa, como se alguém gritasse no meio da rua num sábado à tarde: incêndio, crime, roubo, assalto. Uma onda elétrica de imobilidade. Desejo, e a palavra vai sulcando no ar um caminho que leva a outro desejo, como rotas aéreas, boeings que se encontram e não se batem. Bicos que se chocam. Desejo, e os muros da cidade pintados com a palavra de repente sorriem no anonimato das coisas que acontecem sem ter de acontecer. Desejo, e nenhuma criança para de saltar no pula-pula, soltas de qualquer perspectiva de sofrimento, passado, presente ou futuro. Desejo, e me pergunto finalmente se o vendedor de churrasquinho ainda ama a mulher que o a

Desejo

Tudo que quer, uma invenção. Filme para dois, um mergulho, pudim de leite às quatro da manhã porque ainda acordado. Tudo que quer, um segredo bem guardado. Coisas de soprar ao ouvido, umas carambolas de cumplicidade. Tudo que quer, uma cidade-estado. Estado de querer, estado de amar, estado de não se importar senão com estar sempre em casa, sempre presente, um estado natural de preguiça. Um estado de beijo amanhecido. Tudo que quer, uma festa que atravesse a rua, o tempo, a casa, a madrugada e chegue ao mais distante de onde está agora. Tudo que quer é que tudo saiba a desejo e algum sossego e talvez a ter a felicidade de encontrar um pouco de amor grudado nos dentes. 

Dissonância

A impressão de que tudo se liga por um fio, de que por pouco não perdemos, que temos de correr e segurar e reter antes que se desfaça, que tudo escorre e escapa, que andamos e os esforços redobrados ainda são insuficientes pra alcançar. Que estamos sempre dois passos atrás, dez casas atrasados, uma nota abaixo ou acima, umas léguas de distância, um mar inteiro de través impedindo a nossa passagem até o outro lado, que jamais chega.   Tudo uma liquidez, tudo fugidio, tudo um lampejo, uma coisa que passa sem rastro, um som emitido ao longe, uma fumaça entrevista na floresta cuja origem procuramos e nunca encontramos. Tudo demandando zelo e energia, tudo tão meticulosamente construído, fortificação à mercê de intempérie tão banal, uma ninharia que não faria tremer um cajueiro-anão.  Mas que, ali, naquele momento, por contingências que não dominamos, sobreleva-se feito tsunami. Um fio que ameaça se romper, mas não se rompe. E nessa ameaça consome. Nesse furor de colapso tant