Desejo o cigarro que não fumo há dois dias, a
corrida que não fiz, o banho que não tomei, os livros que não li, os filmes que
interrompi e as séries que larguei pausadas entre o grito e o crime.
Desejo o tempo que levei atravessando o hall
do condomínio, todos os segundos digitando nos botões na máquina de lavar, as
horas perdidas entre abrir e fechar a geladeira.
Desejo o perfume que sobe do apartamento de baixo,
a luz de uma hora intervalar, o jeito de atravessar a rua daquele homem que carrega uma sacola a tiracolo, a fala de um amigo que engole certas letras, os pés
flexionados sob as pernas da mulher que pede uma sopa na padaria, a
tranquilidade de esperar o caixa emitir a nota.
Desejo a coragem de telefonar para a mãe, de
perguntar ao pai se está tudo bem, de ir até o cemitério e dizer bom dia ou boa
tarde, a depender da hora.
Desejo força para abrir a gaveta e arrumar os
fios soltos, carregadores de celular, baterias e canetas que fui acumulando durante
décadas porque se embaraçavam nos braços, nas pernas, no tronco.
Desejo o desapego de atirar fora as edições que
jamais abrirei, as revistas que comprei, as roupas que não vestirei e as
correspondências a que não cedi.
Desejo chegar à porta da casa e perguntar se mora ali algum desejo que tenha semelhança com o meu desejo de estar no mundo como quem procura sempre um lugar mais afastado de onde possa olhar o desfile das coisas que existem, que ainda existirão, e nisso levar horas, talvez dias, sem necessidade de nada exceto de cumprir rigorosamente o desejo de habitar o segundo, aquele segundo e nenhum outro mais.
Desejo chegar à porta da casa e perguntar se mora ali algum desejo que tenha semelhança com o meu desejo de estar no mundo como quem procura sempre um lugar mais afastado de onde possa olhar o desfile das coisas que existem, que ainda existirão, e nisso levar horas, talvez dias, sem necessidade de nada exceto de cumprir rigorosamente o desejo de habitar o segundo, aquele segundo e nenhum outro mais.
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