Aquele ovo na frente da porta do elevador me encarava, desafiador. Alguém o deixara cair, talvez sobraçando as compras, e lá o ovo tinha estado por todo esse tempo. Um único ovo, estirado no hall do prédio, à espera sabe-se lá do quê, perfeitamente redondo, guarnecido por uma lixeira que fora deslocada do canto para sinalizar. Pensem no seguinte: alguém tivera a preocupação de demarcar o obstáculo à passagem dos moradores arrastando um item para um local inadequado. De longe, portanto, via-se a lixeira no meio da área, espectral na sua posição antinatural, uma torre plástica à sombra da qual se encontrava o ovo – que não era apunhalado, tampouco misterioso, enigmático, clariceano. Era um ovo ordinário, típico de supermercado, branco e grande, desses cuja bandeja hoje é vinte e cinco reais. Um ovo já aclimatado à rotina da classe média de um residencial onde era mais simples (mais cômodo?) erguer barricada com um depósito de lixo do que descer com uma toalha ou pano de chão e desinfetan...
HENRIQUE ARAÚJO (https://tinyletter.com/Oskarsays)