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Mostrando postagens de outubro 28, 2020

Desaterro (3)

A história da família como a da cidade, uma rasura sobre rasura, nela escreveu-se sobre o que já se tinha escrito. Mas é preciso encontrar nesse exercício de exaustão e desaparecimento uma grafia, ainda que seja a história de um findar-se, a história de impor-se a si e aos seus um contínuo renovar-se que é também um morrer atualizado. Na família a morte sempre rondou, os mitos domésticos cercados de casos de dissolução física, escapes e desatinos, um disfarce de onde se veio. Nenhum retorno, apenas partida, um desaterro dia após dia.

Desaterro (2)

Fui encarregado de contar a história da família, reatar um fio que se perdeu muito tempo atrás com a morte dos meus tios e o desaparecimento de uma tia, a morte da avó, a quem perguntava de onde tínhamos saído, de quem descendíamos, se tínhamos uma raiz, uma ramificação que fosse, um pedaço de chão onde se pôs algo a que se pode chamar de origem. Porque era importante pra mim entender que havia começo. Mas é difícil recuperar esses vestígios, retraçar essa errância, narrar a deriva. A família é esquiva, dela sei muito pouco, o avô se evadiu quando pode, meteu-se noutro lugar, noutro estado, de lá não se tem sinal de vida ou morte, embora haja mais razões para crer em sua morte do que na vida. Poucos escritos, cartas, álbuns, quase nenhum rastro, fotografias atiradas ao lixo, coleções de cartas perdidas, registros extraviados. Tudo como se houvesse um esforço deliberado de apagar-se, a família sem retrato na parede, sem patriarca, sem matriarca, um ajuntamento de pessoas cujo elo mais f

Desaterro

O ato de desfazer o malfeito, reparar o trabalho operado em prejuízo de um coletivo, reverter o movimento das pás de máquinas e usá-las em favor de um reassentamento, devolvendo à praia o que lhe falta, a areia extraída de novo posta em solo, o ângulo de entrada no mar atenuado, a descida suavizada. Tudo isso é desaterro, é fazer bem o que se fez ao revés, ainda que com boas intenções ou talvez não tão boas assim. Imagino uma campanha na cidade, pessoas às voltas com os mais diferentes tipos de equipamento a fim de recuperar o que foi tirado, reaver aquele sentido de mar e de praia que a muito custo se foi consolidando, rejeitar essa imagem de praia-estacionamento ou praia-shopping, aonde se vai para o consumo dos bens, dos cardápios e das quinquilharias, e não ao descanso e à escapada do frenesi visual.