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Mostrando postagens de março 24, 2012

Sem resistências

Não havia gosto, era mais um travo no paladar, pensou, uma falha no organismo, um breque nas engrenagens que geram a prova, a inexplicável pane das papilas, disse sorrindo, como se de repente todos perdessem as funções, a mãe, o pai, os irmãos, a namorada, um travo que imobiliza, foi assim com ele, foi assim com ela, antes e depois, até que resolvessem, até que considerassem a sério que o bastante era uma porção não satisfeita, o copo abaixo do que esperavam, aquém mesmo da linha que demarca hemisférios antagônicos. Estavam além dos antagonismos, e isso era perigoso.

'A chave de casa', de Tatiana Salem Levy

Uma experiência diferente, cheia de entusiasmo e dor, foi a da leitura de A chave de casa , de Tatiana Salem Levy. O romance é de 2009, creio, e ganhou muitos prêmios, inclusive o São Paulo de Literatura, mas só agora tive o prazer de ler. Depois dele, Tatiana publicou Dois rios , também pela editora Record. A chave de casa foi a estreia da autora, cuja cidadania não sei se é brasileira ou portuguesa ou se ambas. O fato é que a menina nasceu em Portugal, mas veio para o Brasil com a família ainda pequerrucha. Bom, o romance, que foi publicado primeiro em Portugal, é forte, bonito, doído e cheio de tesão. Conta a história de uma mulher que, depois de receber uma chave das mãos do avô, decide colar as pontas soltas de uma esfiapada trama familiar e, claro, pessoal. E viaja. Uma viagem que tem que ver com busca das raízes, sim, mas não de uma maneira chata ou acadêmica. É mais um procurar-se em todos os cantos que iguala a personagem a qualquer outra pessoa. De partida, sabemos que

'Cães heróis', de Mario Bellatin

Cães heróis , do Mario Bellatin. É um desses livros da Cosac Naify sobre os quais se pode falar muita coisa sem mesmo ter lido nada, apenas olhando, sopesando e cheirando. Como não me interessa – não tanto - se a obra tem as costuras à mostra ou se é embalada em saco plástico, vamos à história, que ninguém compra livro unicamente para apreciar lombada. Nem sempre. Minhas escolhas como leitor não são tão amplas nem tão mágicas, o que me impede de alçar grandes voos de imaginação ao escrever sobre o trabalho de Bellatin. De qualquer forma, encarada essa limitação com bastante tranquilidade, posso garantir que Cães heróis é algo enigmático, não-imediato. Uma narrativa cujo sentido é quase sempre transitivo, ou seja, deriva de um ponto a outro e deste a um terceiro, construindo pontes entre passagens, mas sem jamais estabelecer claramente com o que estamos lidando. Num jogo de esconde-esconde, Bellatin registra: “É difícil compreender as circunstâncias que fazem com que o enferme

Expasso

Tem essa chuvinha da manhã de sábado, lenta, morosa, cheia de hiatos que acenam e convidam com insistência a calcular alternativas a, b e c num cenário turbulento, ainda sem considerar as opções que se estendem antes e depois do alfabeto imediatamente familiar, tocando pontos aos quais preferimos não lançar o olhar curioso, pontos esquisitos, estranhos, pontos distantes e escuros, dilacerantes e sossegados. Inviabilizado o sentido, e dali não se vai além por um bom tempo, até que, um instante quando, mobilizado por vontade infantil, uma dessas vontades tão frequentes numa manhã sonolenta de sábado, quando acordar parece recuperar-se de uma longa paixão infrutífera, o excessivo passe a não soar excessivo, mas, ao contrário, perto, bonito, travesso e preciso.