Não havia gosto, era mais um travo no paladar, pensou, uma falha no organismo, um breque nas engrenagens que geram a prova, a inexplicável pane das papilas, disse sorrindo, como se de repente todos perdessem as funções, a mãe, o pai, os irmãos, a namorada, um travo que imobiliza, foi assim com ele, foi assim com ela, antes e depois, até que resolvessem, até que considerassem a sério que o bastante era uma porção não satisfeita, o copo abaixo do que esperavam, aquém mesmo da linha que demarca hemisférios antagônicos.
Estavam além dos antagonismos, e isso era perigoso.
Numa dessas andanças pelo shopping, o anúncio saltou da fachada da loja: “museu da selfie”. As palavras destacadas nessa luminescência característica das redes, os tipos simulando uma caligrafia declinada, quase pessoal e amorosa, resultado da combinação do familiar e do estranho, um híbrido de carta e mensagem eletrônica. “Museu da selfie”, repeti mentalmente enquanto considerava pagar 20 reais por um saco de pipoca do qual já havia desistido, mas cuja imagem retornava sempre em ondas de apelo olfativo e sonoro, a repetição do gesto como parte indissociável da experiência de estar numa sala de cinema. Um museu, por natureza, alimenta-se de matéria narrativa, ou seja, trata-se de espaço instaurado a fim de que se remonte o fio da história, estabelecendo-se entre suas peças algum nexo, seja ele causal ou não. É, por assim dizer, um ato de significação que se estende a tudo que ele contém. Daí que se fale de um museu da seca, um museu do amanhã, um museu do mar, um museu da língua e por
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