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Mostrando postagens de junho 17, 2015

Uma cena

Tinha esse casal na praia. Vários casais, mas esse era especial. Estava perto da ponte antiga. A nova parecia lotada e de fato estava cheia. A velha continuava como sempre esteve, uma estrutura prestes a desmoronar, livre, viva como um animal antigo cujo nome ninguém lembra. Era um casal adolescente. Não se beijava, permanecia abraçado olhando pro mar. Passava das cinco? Passava.  Os surfistas aproveitavam as ondas, muita gente encostada na mureta esperando o sol descer para ir embora e colecionar mais um por do sol. Havia esse cheiro forte de pipoca e maresia, e o arrulho das pedras no fundo das águas rolando devagar pra lá e pra cá se misturava ao murmúrio vindo da caixa de som numa lanchonete. Uma música bonita, triste mas bonita, acho que da Roberta Miranda. O homem sentado pediu uma cerveja, depois bebeu e ficou acenando para alguém fora do quadro.    Não era Roberta Miranda, era uma música em francês e eu não entendo nada de francês.   Como esse

Fiando-se

Desconfie de todo gesto sacrificial, esse que se reveste de uma áurea humana inatacável, que apela à oração mais íntima e se aninha num cadinho da alma tão escondido que acaba embolorando com o tempo. Desconfie da bondade, mas só da bondade que usa paetês e plumas e sai à noite fantasiada para chamar a atenção de quem passa – a bondade despida, crua, essa que usa chinela de dedos e come de colher, pode continuar a admirá-la. É verdadeira. Desconfie dos bons sentimentos, mas apenas dos bons sentimentos que pregam anúncio na porta de casa informando: vendem-se bons sentimentos. Desconfie de quem está sempre a falar do outro e quase nunca de si mesmo. Esconder o egoísmo, dissimulando-o ou tentando convertê-lo no exato oposto, o altruísmo, é tão ou mais escroto que admiti-lo. Tudo que é autêntico, até o egoísmo, é mais aceitável do que o falso, incluindo a preocupação. Desconfie de quem detesta gente desconfiada ou faz de tudo para não desconfiar. Desconfiar é u