Quero te roubar, mas tu sempre resiste. Não sei. Desisto? Nunca. Andorinha, Andorinha. Você mesma me encoraja, diz “Não avise, vá e faça”, mas, mas, mas se tento, se ponho orgulho de lado e digo vem comigo agora mesmo, você se esquiva, se esconde, se distrai. Distração inevitável. Quem sabe, quem sabe. Sou assim, naturalmente imprevisível, eventualmente esquiva, especialmente se me querem fixa, sólida. Sou fluida, escorrego. Passo entre os dedos. Vejo tudo isso, sim. Vejo outras coisas. Minhas cartas embaralhadas dizem “Deixe a roda gigante girar à vontade”. Eu deixo, mas os volteios cardíacos doem às sextas-feiras. Se falta cigarro, doem mais ainda. Pena. Tudo é ao gosto do freguês. Ao gosto. E você, que acha disso tudo? A vida é gangorra, Andorinha. Já ouvi dizer. Sim, é gangorra. Consequentemente... Consequentemente, encaro tudo isso com olhos de antropólogo. Mas só por dois segundos. No restante do tempo, percorro abismos. Abismos? Abismos.
HENRIQUE ARAÚJO (https://tinyletter.com/Oskarsays)