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Mostrando postagens de outubro 11, 2009

O PARQUE DE DIVERSÕES

A cena do parque. Homem branco se aproxima de catador de latinhas. Catador lhe pede dinheiro. Possivelmente para comer. Homem branco, calvo, camisa de botão e calça jeans, fica ainda mais próximo. A poucos metros dali, casal assiste tudo. Parece desconfiado. Homem branco e catador cochicham. Homem explica algum procedimento. Orienta, sugere etapas para o cumprimento rigoroso de alguma tarefa. Catador está confuso. Quer as moedas, mas não sabe se está realmente entendendo o que Homem branco pretende com tudo aquilo. E essa voz? Por que tanto rigor, tanto método comprimidos numa voz rala, insidiosa? Ele não entende. Quer atacar as moedas e se danar dali. Homem branco nota chegada do casal, desconcerta-se, finge interesse na rotina nutricional do catador. Tem movimentos amolecidos. Ele logo pergunta: dá para você lanchar? O catador olha as três ou quatro moedas que passaram a suas mãos. Acha que não vai dar. Atento, o casal cruza olhares com Homem branco. Em seguida, vai embora. O Homem c

Vem das sereias

Encaro Maria Bethânia. Ela não quer dizer nada. Tem qualquer coisa parecida com um xale envolvendo o seu pescoço. Usa batom vermelho nos lábios levemente rachados e sombra nos olhos ligeiramente fechados. Mesmo feia, tem uma boca absolutamente bonita. Mas isso de modo algum a salva da desbeleza. Maria Bethânia é sobretudo feia. Tem ares de bruxa, cabelos grisalhos espalhando-se na capa da revista. Parece um velho dinossauro. Uma deusa resgatada de alguma pirâmide. Dentro da publicação, ela posa para fotos. Usa roupas folgadas: uma calça azul marinho e um camisão branco, cujas mangas vão até os pulsos magros da cantora. Porque desposou o candomblé, ela não usa preto. Descrevo o rosto: olhos profundamente pretos – desta vez, pretos mesmo. Cabelos ondulados, pele sulcada por incontáveis linhas que, vistas de bem perto, lembra as lavouras de feijão e milho. Para a idade que tem, há poucas rugas. É comedida nos adornos: um relógio e um cordão que lhe escorre até a cintura. Enquanto penso em