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Mostrando postagens de outubro 13, 2017

Borges e o amor

É uma tarefa borgiana, eu disse, e me referia sobretudo a percorrer corredores repletos de lembranças e neles encontrar portas que se abrem para outras portas, que contêm outros corredores e novas portas que dão para jardins vazios, amplos espaços nos quais mal ouvimos o som que produzimos. Uma sucessão de elos que se ligam a outros elos, bibliotecas, livros, portas e janelas, pessoas às voltas com pessoas sem nome nem destino. Alguém que aspira de leve o ar e sente que está perto de encontrar o que procura. Portas sem maçaneta, entreabertas, janelas que não se fecham, bancos e copas de árvores que filtram a luz do sol. A luz coada do sol incidindo obliquamente sobre os cabelos, o vestido amarelo, as mãos postas sobre as pernas. Um universo borgiano é logicamente concebido pela falta de lógica que preside esse raciocínio segundo o qual há um pensamento por trás de cada coisa, cada coisa ocupando um lugar e cada lugar sendo destinado por natureza a uma ideia da qual não te

O homem na máquina

Penso em desistir da bicicleta e de andar contra o vento e fico surpreso com a facilidade com que abraço essa ideia. Às vezes teorizamos sobre as bravuras, pessoas cuja força as empurra sempre adiante, e deixamos de lado as que, sem temor, recuam, apenas. Ficam pra trás, quedam e se dão por satisfeitas, inventam uma forma de vida no fracasso.  Não é inglório nem vergonhoso. Um castelo de pequenas derrotas também é um castelo. E há mesmo certo conforto na distância. Assumir um lugar longe de si mesmo, manter-se a salvo de tudo que é risco afastando-se o mais possível.  Como um bicho que já não alimenta qualquer ansiedade. Quer somente que os dias passem porque o momento sequer é um momento. O momento agora é feito esse fluxo de um tempo que foi abolido. Um típico platô. Andamos, subimos, descemos e subimos outra vez, uma trajetória extenuante finda a qual atingimos esse ponto aonde chegamos cansados. E agora nos perguntamos o que diabos fomos fazer ali.  Queremos descer, mas des

Ocultista

Escreveu no Whatsapp “preciso de um oculista” e o corretor mudou pra ocultista, talvez mais consciente do que de fato precisava, não consertar a vista, os olhos que ardiam e a leitura que vinha se tornando penosa de uns tempos pra cá, mas investir no sobrenatural.  Agora que tudo no plano terreno desandava, achou até simpático que um aplicativo, sempre tão impessoal, sugerisse por meios tortuosos que a razão dos seus problemas não era um defeito dos olhos, mas da alma, e que a resposta estaria logo ali, numa profissional das ciências mágicas. E tudo isso numa sexta-feira 13. Quem sabe fosse mesmo o caso de adivinhar outro sentido no corriqueiro, virar a contrapelo os dias e as horas e neles enxergar uma mensagem criptografada, uma para a qual não tinha o dom de ler, não era alfabetizado nessas artes, cartas de baralho, búzios, borra de café e, a mais recente de que tivera notícia, as pregas no cu. Sim, uma mulher estava fazendo certo sucesso lendo o cu das pessoas e vendo a