Há algo de artificioso no choro do Flávio – permito-me agora alguma intimidade com o personagem, não a figura real, mas aquela que aparece no vídeo de curta duração cujas palavras interessam menos que a performance em si. Quando o vi pela primeira vez após dias evitando qualquer assunto que se relacionasse a política, reconheci aqueles gestos. O esgar, as contrações do rosto, o lábio se comprimindo, a progressiva careta em que se converte e, dentro da boca, uma massa invisível macerada insistentemente, um conteúdo indigesto – todos esses sinais indicavam um rito familiar. Era o choro da negação involuntária, e eu o conheço muito bem porque recorri a ele muitas vezes durante esses anos todos em que precisei dizer algo enquanto o meu corpo falava o contrário, cada uma dessas porções ignorando o que a outra fazia e dizia. Então me pus a escrever, sempre sob a pressão do tempo, convencido de que havia algo ali sobre o qual talvez valesse a pena falar qualquer coisa. E esse
HENRIQUE ARAÚJO (https://tinyletter.com/Oskarsays)