Flávio Bolsonaro morde o lábio
inferior e desvia o olhar, como se um cachorro houvesse mordiscado a ponta do
seu pé e agora ele precisasse lhe dar atenção num momento delicado da performance,
o clímax da atuação. Sentado no sofá diante de uma câmera parada, funga
novamente. Em seguida volta a mastigar – um chiclete imaginário, a bochecha ou
a própria língua? Não se sabe.
Quando volta a encarar a lente,
a primeira desde a última entrevista à TV Record, está prestes a se debulhar,
mal contendo o jorro lacrimal que se anuncia. Afinal, são meses de tensão
acumulada, acusações as mais diversas que o punham numa situação desconfortável
diante da qual, como a maioria dos homens, só havia algo a fazer: chorar.
E foi o que fez. Na terceira
tentativa da manhã, finalmente tinha acertado, caprichando nas caras e bocas.
Sem carregar no drama, e amparado num elemento que o conectava diretamente com
as massas (uma bandeira do Brasil), marejou os olhos gateados de um verde quase
transparente. Consentiu em verter uma lágrima – há quem tenha visto duas ou
nenhuma, a depender da coloração partidária do espectador.
Ali, Flávio juntava-se a um
pequeno exército masculino cujos malfeitos o haviam empurrado ao ambiente
virtual na missão ora de desculpar-se, ora de afastar algum boato que se
espalhara, ameaçando fama e carreira. Embora oficialmente não tivesse gravado o
vídeo por nenhuma dessas razões, o senador eleito recorria a um gênero cada vez
mais em voga entre artistas, sobretudo homens: o desabafo.
O lábaro estrelado, um toque de
mestre, tinha sido sugestão de um amigo, o ex-assessor que o acompanhava nessas
gravações caseiras e cuja saúde – física e financeira – havia mergulhado o
filho do presidente num turbilhão de emoções desde o fim do ano passado. Como
todos estivessem a sua procura, inclusive o Ministério Público, coube a
Fabrício Queiroz a direção de arte do filmete, um curta-metragem com o qual
esperavam lançar o cinema brasileiro noutro patamar artístico, livre de
cacoetes ideológicos e da Lei Rouanet.
O roteiro da peça, como tudo
que envolvia a família desde que havia chegado ao Planalto, era tosco. Dispensava
grandes atuações e privilegiava a improvisação, qualidade que Flávio já demonstrara
possuir em grande quantidade desde a simulação de desmaio num debate entre
candidatos a prefeito do Rio, se não me engano, cerca de três anos atrás,
ocasião em que despertou a curiosidade de grandes cineastas, como Alfonso Cuáron
e Kleber Mendonça Filho.
Agora, porém, o desafio era
diferente. Maior até que a eleição ou vencer os “petralhas”. Se quisessem
arrebatar algum Oscar ou um Urso de Ouro, precisavam se dedicar, e nisso Flávio
também se mostrava resoluto. Afinal, com o pai prestes a desembarcar em Davos,
e o novo ministro da Justiça acossado por perguntas da imprensa dia sim, dia
não sobre o paradeiro de Queiroz e as tais movimentações atípicas, havia de
provar não apenas a sua idoneidade, como também a do clã Bolsonaro. Como lograria
o feito? Ora, à maneira dos homens com quem tinha aprendido alguma coisa na
vida e cujo exemplo emulava agora: chorando.
Então se pôs novamente a
comprimir os lábios e a fitar o horizonte, como se procurasse no canto da
parede ou na ponta dos dedos uma explicação para os milhares de reais que
haviam entrado e saído de suas contas.
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