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Mostrando postagens de julho 31, 2014

Captcha

Quando digo tudo isso que disse, quero dizer na verdade o seguinte: Captcha. Captcha é um teste para separar humanos de máquinas. É simples. Consiste em decifrar letras borradas ou apagadas, digitando-as num espaço em branco. De acordo com os pesquisadores, apenas seres humanos são capazes de distinguir palavras cujo traçado está de alguma maneira interrompido. Nós enxergamos o que as máquinas não podem. Um E sem perna, uma palavra atravessada por um risco, uma vogal cortada e por aí vai.   Uma frase em Captcha é uma frase a ser decifrada. Uma vida em Captcha é uma vida a ser decifrada. Um amor em Captcha é apenas um amor.    Captcha é um acrônimo e um acrônimo é uma sigla formada pela primeira letra de cada palavra.  Exemplos: Captcha, é claro, e Nasa, Sida, ONU, Otan etc. Por que aplicar esses testes se tornou importante hoje em dia?  Ninguém sabe ao certo. 

Antes era possível

E na verdade é muito estranho, desculpem se fraciono a conversa,  ser duas ou três pessoas ao mesmo tempo. Não invejo ninguém que tem essa capacidade de se transmutar ou, segundo as cores do ambiente, mudar também de cor, adaptando-se conforme o humor dos presentes. Eu até tento. Era mais fácil quando criança. Bastava ficar calado e passar por um menino tímido que tem dificuldades de compreender o que os professores falam ou se atropela quando lhe pedem o exato significado de qualquer coisa. Até hoje não sei o que quer dizer o exato significado de qualquer coisa. Isso pode ser um problema, mas também pode não ser. Em resumo: era tão difícil agora quanto antes. A vantagem de agora é que sou adulto e consigo dar nome a alguns sentimentos. Antes, quando ia dormir e sentia que podia tudo, isso não era possível.  

A vida certa

Esse, aliás, é um sentimento esquisito por natureza. Lembro quando gostava muito de uma garota da escola. Um pouco antes de dormir, imaginava como seria encontrá-la no dia seguinte e dizer tudo que tinha pra dizer. Toda a verdade, essa verdade que escondemos no mais fundo. Entre sonho e vigília, compunha um diálogo perfeito, desses de cinema, e nele eu era um ator eloquente, cheio de frases certeiras que ao atingir o alvo produziam chispas de luz e amor. Mas então eu acordava e já não era mais aquele garotinho corajoso que tinha uma porção de coisas bonitas pra falar. Na verdade, eu ainda era. Mas não o mesmo, o que tinha decidido colocar de vez um ponto final naquela história e assumir tudo que tinha pra assumir. Eu era de novo um menino que vivia a vida certa.

De repente, uma batida na porta

Etgar Keret é um escritor sacana de tão bom.  A melhor frase que tenho é: estou espantado. É a melhor frase em qualquer circunstância. Keret vai indo e indo, enfileirando palavrinhas do dia a dia, pondo umas frases esquisitas aqui e outras platitudes ali, mas, por qualquer caminho que siga, chega a um lugar diferente, um lugar que não é o mesmo lugar esquisito a que chegam autores de contos surpreendentes. É outro lugar mais estranho ainda. É bom saber que a literatura consegue operar essa mágica. É bom saber que Keret existe e escreve. É maravilhoso olhar a vida e imaginar que outra vida existe por trás dessa que supomos ser a vida certa e única, a que escolhemos para viver até o fim. É bom dobrar uma esquina.