Disse que morderia e de fato mordeu. Restou essa marca com a qual ela não saberia bem como lidar no dia seguinte. Disfarçou com pó e um lenço ao pescoço, mas em casa, sozinha, orgulhava-se diante do espelho. Uma marca, finalmente. Não abriria mão. Uma primeira marca que não era de nascença, tampouco de acidente como a que levava no dorso da mão esquerda. Mordeu mais vez uma vez, agora sem avisar. No braço e depois na bunda, duas arcadas afundando na carne branca com precisão. Podia adivinhar o desenho irregular dos dentes apenas olhando pra elas. Os caninos mais pontiagudos que o normal porque desde criança os de cima não encaixavam nos de baixo. Como não havia fricção, tinham ficado assim, amolados, perfurantes, dentes como de cachorro e não como os de gente. Um dia foi a vez dela. Machucou o lóbulo da orelha, ele protestou. Então pediu que parasse, mas logo foi o peito. Deixou uma área roxa que depois esverdeou até se perder, uma vaga mancha cinza que poderia ser qualquer
HENRIQUE ARAÚJO (https://tinyletter.com/Oskarsays)