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Mostrando postagens de julho 29, 2023

Monstros do ar

  Talvez fosse o caso de descrever a paisagem, falar com calma sobre as pedras, os coqueiros, o movimento hipnótico das hélices girando ao longe, guardiãs de algum segredo escondido por trás das dunas. Como grandes monstros, titãs de prontidão, as pás mecânicas de um ventilador como asas de uma criatura cujo corpo se enterra sob a brancura da areia. Vislumbro as hélices e penso em caminhar até elas, mas é tarde ou cedo ainda, não sei. O sol esquenta as costas, o mato crescido arranha as pernas, vejo uma cerca e me aproximo, mas desisto de continuar. Agora que estou mais perto, ouço o vento cortado, um sulco no ar aberto com essa força fantasmática. Cataventos monstruosos, desses de sonhos intranquilos. Como as hélices chegaram até ali, quem as colocou, o que fazem quando para de ventar? Quem as plantou, de que semente vieram? Parecem ter vida própria, prestes a sair andando num passo longo com o qual me alcançariam ainda que eu corresse em direção à água e mergulhasse de cabeça no fund

Areia nos bolsos

  Demoro a voltar, estou longe ainda, no corpo um ritmo de férias que se instalou e do qual custo a sair, uma incapacidade para qualquer coisa que não seja estar à solta, sem as balizas das horas regradas de todo o tempo. As horas da semana, dos dias, do calendário. Horas impróprias, maçantes, de uso comum, feitas para funcionar. Decido então que escrever assim talvez me faça reemergir aos poucos, reavendo certo domínio do gesto físico de encadeamento, gesto cumprido mais facilmente quando no correr dos meses de janeiro a junho, antes dessa parada que faço agora em julho. Na retomada se escancara a dimensão não natural de tudo isso, o caráter forçado mediante o qual tenho de me valer do exercício diário para que esteja de prontidão, como um goleiro cujo olhar não desgruda da linha do campo, a tensão sempre em riste. Volto aos bocados, esvaziando sem pressa os bolsos da areia que trouxe de longe, depois misturada às roupas que reviram na máquina. Areia caída pelos cômodos da casa, varri