Fui encarregado de contar a história da família, reatar um fio que se perdeu muito tempo atrás com a morte dos meus tios e o desaparecimento de uma tia, a morte da avó, a quem perguntava de onde tínhamos saído, de quem descendíamos, se tínhamos uma raiz, uma ramificação que fosse, um pedaço de chão onde se pôs a matéria viva a que se pode chamar de origem. Porque era importante para mim entender que havia começo, deslocamento, uma geografia natal e um tempo antigo do qual se projetava o futuro, o tempo estirado de agora, o meu tempo. Mas é difícil recuperar esses vestígios, retraçar uma errância, narrar a deriva, contar a ruína. É como remontar o desenho sem todas as peças, equipado com nada mais que as mãos que se esfolam ao cavar. A família é esquiva também. Dela sei muito pouco, apenas o que fui acumulando no próprio corpo e na memória, nos guardados que arrebatei escondido como criminoso ao entrar num quarto ou abrir uma gaveta sem que dessem por mim naquela hora morna da tarde ou
HENRIQUE ARAÚJO (https://tinyletter.com/Oskarsays)