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Mostrando postagens de dezembro 11, 2017

Recado na porta

Tinha poucos minutos, não mais que dez. Usou de dois a três para fumar enquanto pensava numa ideia boa o bastante para estar no papel, depois sentou na cadeira e começou a dizer o que diria se dissesse algo, o que também não era lá tão novo assim. Pensou nos últimos acontecimentos: tinha parado de fumar, mas voltara. Tinha voltado a beber, mas parara. Tinha interrompido as idas ao cinema e as voltas de bicicleta e tudo que costumava fazer antes e também depois. Em suspenso mesmo os mergulhos no mar, as horas na areia da praia olhando os outros entrarem aos pares, mãos dadas. Um cachorro que passa etc.   Agora sofria no quarto, era dezembro e o calor matava. Olha o próprio corpo, em seguida passa a vista na lombada de um livro em cuja capa há pernas e braços entrelaçados contra um fundo branco no qual não se lê o nome do autor. Erotismo. Sente vontade de descrever tudo entre a porta de casa e a faixa de mar, tudo que encontrar no caminho, cada pequena lembrança ass

Cinco coisas sobre as quais é difícil escrever

1. A sensação de estupidez quando sem querer esbarramos numa xícara de café sobre a mesa mesmo quando antecipamos esse gesto em alguns bons segundos. O que nos leva a pensar que, a despeito de estarmos cientes dos riscos de virar uma xícara sobre livros e computador, coisa que acaba de acontecer comigo, acabamos por fazer exatamente isso, seja porque não acreditamos em intuição, seja porque não estamos muito preocupados com o que quer que seja quando o único desejo é fazer o que queremos fazer. Seja porque o destino existe. 2. Calor. Falar sobre calor, como de resto sobre qualquer outra coisa, não apenas acentua a impressão de que estamos com calor, como também é um gasto de energia extra que, diga o que dissermos, jamais resultará na redução ou mesmo na supressão do calor propriamente dito. Sequer metaforicamente funciona. Das atividades humanas, é talvez a mais gratuita.   3. Amor. Coisa fugidia, esse sentimento nunca é o que é, e, quando finalmente parece ser o que talvez

Monstro

Monstro olhou-se no espelho, a barba maior do que de costume. Aparou com tesoura, errou novamente e fez um buraco onde deveria haver uma curva suave. Monstro contrariou-se, mas, como ainda eram nove horas da manhã, deixou pra lá. Era cedo para pequenas chateações, sobretudo uma que não teria importância ao longo do dia, salvo se se considerasse que o aborrecimento causado por uma incisão desastrada nos pelos do rosto provocaria uma cadeia de reações infinitesimais que, ao final do dia, redundariam numa tsunami de mau humor, o que certamente influiria no modo como Monstro acabaria revisitando os últimos acontecimentos.   Era bem possível, Monstro sabia, todos a sua volta sabiam. Os meses tinham sido exatamente assim, difíceis de entender.   Naquele dia, Monstro havia se demorado na cama, não queria levantar. Reconstituíra os eventos do dia anterior, uma sucessão de pequenos acidentes cujo sentido geral não compreendia. Apelara a fios soltos, costurara umas pontas a outras