Tinha poucos minutos, não mais que dez. Usou
de dois a três para fumar enquanto pensava numa ideia boa o bastante para estar
no papel, depois sentou na cadeira e começou a dizer o que diria se dissesse
algo, o que também não era lá tão novo assim.
Pensou nos últimos acontecimentos: tinha
parado de fumar, mas voltara. Tinha voltado a beber, mas parara. Tinha interrompido
as idas ao cinema e as voltas de bicicleta e tudo que costumava fazer antes e
também depois.
Em suspenso mesmo os mergulhos no mar, as horas na areia da praia olhando os outros entrarem aos
pares, mãos dadas. Um cachorro que passa etc.
Agora sofria no quarto, era dezembro e o
calor matava. Olha o próprio corpo, em seguida passa a vista na lombada de um
livro em cuja capa há pernas e braços entrelaçados
contra um fundo branco no qual não se lê o nome do autor.
Erotismo.
Sente vontade de descrever tudo entre a porta
de casa e a faixa de mar, tudo que encontrar no caminho, cada pequena lembrança
associada a um muro ou calçada ou esquina ou árvore.
Desiste. Como desistirá de uma ideia até
razoável que tinha para um livro de contos. Como desistiu de tanto antes e
depois.
A sensação de que acumula para uma
guerra que nunca virá. De que espera na trincheira. De que, do outro lado, as
tropas se recolheram e ele, por medo, continua escondido.
Até que um dia resolve levantar a cabeça e
sair sozinho e fica surpreso por não encontrar nada nem ninguém, apenas um
cachorro preto que fareja e morde o que talvez seja um braço.
O seu próprio braço. O corpo que é o seu
esquecido no chão revolvido de um lugar que ele não conhece.
Longe dali, numa cidade estranha, na porta de
uma casa que nunca visitará, há uma inscrição a giz e nessa inscrição um
segredo.
Ali está sua vida.
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