Ultimamente vinha pensando na maneira mais correta de narrar, isto é, de transformar tudo em palavra e a palavra em memória, reviver o tempo apenas em sua dimensão estética, cortar fora o que fosse afeto em demasia, que pesasse além do que podia suportar. Um fracasso, claro, de modo que sequer tentou levar adiante. Mais um projeto natimorto. À velha pergunta sobre o limite da escrita, respondia com um muxoxo, um disfarce para a questão de fundo mais grave, que era: tudo posto aqui, em palavra, afeta o outro tanto quanto a si mesmo, tudo vai e volta, cai e ergue-se. E foi com essa bobajada que consumiu a tarde, as horas difíceis da tarde. Havia escrito cartas, reescrito o já dito, numa peleja sem fim. Agoniou-se com o silêncio, o vexame que era surpreender-se em sobressalto, tão frágil e descarnado, tão impotente e solitário. Desavisado, encontrava o espelho e se surpreendia desfigurado, o rosto contorcido. Não mais sorriso. Careta. ão era o mesmo. Não era ele. Era outro.
HENRIQUE ARAÚJO (https://tinyletter.com/Oskarsays)